terça-feira, 29 de maio de 2012

Diário de bordo (Ana Catarina Silva)

13-12-1521

É verdade, dia 13 do mês de Dezembro de 1521 chegou por fim às nossas vidas. Às vidas daqueles que vão descobrir novos rumos e novas criaturas, e vão rezar para que nunca mais estes dias que vão surgir se repitam novamente.

Finalmente, a meio da madrugada pude sentar-me e escrever aquilo que vi de tão horroroso.

Hoje, logo pela manhã bem cedo, as naus tinham partido em direção ao novo mundo. E, logo para enjoar, vi um homem - se podemos nós chamar aquilo homem - a matar um cão de forma aterrorizante. Um cão com seis patas. Arrancou-nas, atou-nas e colocou-as agarradas aos grandes mastros das naus.

Agora que estou nos confins do mar, vou lutar para poder regressar, algo que terei de fazer todos os dias, pois havemos de enfrentar grandes peripécias.



15-12-1521


Hoje não podia deixar de vos dizer a grande batalha que tivemos.

Estávamos a remar, quando nos apareceu um barco pirata. O comandante Barba Verde ordenou que nos preparássemos, pois aproximava-se uma grande batalha.

O navio, inimigo, aproximou-se e atacar-nos. Agarravam-se a cordas e saltavam para a nossa nau, vestidos apenas de cuecas. As suas espadas eram compridas e tinham uma lâmina cortante. A forma como lutavam era incrível, pois tinham grande prática, eram piratas experientes. Furavam os corpos dos nossos homens até com as próprias mãos, pareciam esfomeados por sangue fresco. Mas, apesar disso, éramos portugueses e demonstrámos que também éramos valentes. Assim foi feito. Depois de tanto suor, tanto sangue derramado, conquistámos a sua nau. Perdemos homens, mas ganhámos piratas de cuecas azuis, para escravos.

Isto é cruel, mas é assim a lei da vida a sobrevivência marítima.

17-12-1521


Depois de tanto tempo longe daqueles que nos são preciosos, começámos a sentir as terríveis dores da saudade, já tão difíceis de suportar.

A tripulação está a diminuir, estamos a fraquejar, as nossas forças esgotaram-se, os alimentos são escassos. Fui ao meu saco e tirei a última perna de frango. Estava coberta de larvas e bichos nunca antes vistos. Pensei e disse para mim: “és a última perna de frango, mas ao menos trazes sobremesa”. Ao trincar aquela tenra carne assada, senti que ela não estava como devia. Estava dura, os meus dentes já não conseguiam suportar tanta dureza. A fome que sentia era tanta que, quando reparei, já tinha comido o osso. Pobre vida.
No final desta deliciosa jantarada, enfrentámos uma criatura nunca antes identificada. Era enorme, tinha três olhos grandes e de diferentes cores, 3 narizes, 3 bocas e 3 cara. Cada cara tinha uma orelha, os rostos eram robustos, envelhecidos, e criaturas mínimas do mar percorriam o seu corpo coberto de viscosa lama preta e amarela. De uma das bocas saía fogo, os dentes eram bicudos: tinham dois metros de comprimento, eram grossos, largos e cortantes. Esta criatura pegava nos nossos homens pelas pernas, lançava-lhes fogo e comia-os. Só comia nas bocas de fora. Da cara do meio, da sua boca, saía o fogo que queimava os nossos homens. O nosso capitão Barba Verde foi degolado pela criatura, que o dividiu em duas partes. O seu sangue foi projetado para os nossos rostos. A força do nosso capitão não acabou, pois agarrou bem a sua espada, lançou-a em direção ao coração da criatura, e esta, num grito alucinante, caiu no mar e formou uma enorme onda que lavou todo o sangue da nau.

Agora, num suspiro cansado, vou encostar a cabeça junto ao leme, e descansar. Espero ansiosamente que chegue a terra firme.

(Texto submetido a correções pontuais)

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