«Nasceu no Porto, em 1867. Depois dos primeiros estudos, segue para Coimbra com o
intuito de estudar Direito, mas desgosta-se do ambiente académico, sobretudo do
trote de iniciação, que lhe causa profundo vexame. Em consequência, refugia-se
na sua "torre de Anto", longe do bulício e das sebentas. É já, nessa altura, um
poeta hipersensível, todo voltado para dentro de si e para os distantes anos da
infância em sua cidade natal. Reprovado duas vezes, segue para Paris a fim de
levar a cabo seu intento de bacharelar-se, o que finalmente consegue, não sem
grandes sofrimentos morais. Esses anos parisienses são-lhe de grande
impor-tância, particularmente do ângulo poético: sua poesia amadurece e
frutifica num volume, o Só, publicado em 1892, sob a inspiração do Simbolismo
Francês, sobretudo de Verlaine, graças à consanguinidade de temperamento e
sensibilidade. Já nessa altura, senão antes, começam a aparecer-lhe os primeiros
sintomas da tuberculose. De volta a Portugal, revisita os lugares queridos da
-infância em busca de saúde, que sente fugir-lhe progressivamente. A conselho
médico, vai à Madeira, à Suíça e a Nova Iorque: tudo em vão, pois a moléstia lhe
havia minado de vez o débil organismo. Regressa definitivamente aos penates, à
espera da morte, que sobrevém no mesmo ano em que falece Eça de Queirós: 1900.
Morre com apenas trinta e três anos.
Ao falecer ainda moço, António Nobre
deixava publicado um único livro, o Só (1892), e alguns inéditos que vieram a
constituir dois volumes, as Despedidas (1902) e os Primeiros Versos (1921).
Dotado de estranha e refinada sensibilidade, que o fazia um esquizóide e um
alfenim, facilmente se deixava atingir pelas pessoas com as quais era obrigado a
entrar em contacto e pelas circunstâncias adversas que teve de enfrentar pela
vida fora. Desse modo, na essência mesma de sua hipersensibilidade era um
romântico acabado. Sua cosmovisão comprova-o nitidamente: sentimental, emotivo,
introspectivo até onde alguém pode ser, exilou-se totalmente da realidade
circundante e passou a viver isolado, em sua "torre de Anto" real ou fictícia,
entregue a um solipsismo doentio e narcisista.
Esse narcisismo denotava um
temperamento passivo, feminóide, e uma debilidade psíquica e física, que o
tornavam presa fácil das emoções mórbidas e da tuberculose que o vitimou. Mis
ainda: fazia-se acompanhar duma nota de autocomiseracção lo transformada numa
melancolia e num tédio ensombrados pela p sença da Morte, ao mesmo tempo
desejada e odiada. Por s vez, a autocontemplação enche-se de ternura e de
piedade consoladora, e gera um pessimismo de derrotado antes de lutar, próprio
de quem contempla a inexorável passagem das horas sem poder interromper-lhe a
progressão, e, pior ainda, tem a dolorosa sensação de que a vida se esvai
inútilmente, antes de ser vivida.
O resultado é que o poeta acaba vendo tudo
através duma cortina de lágrimas, tomado dum sentimento ambíguo e entristecedor:
a um só tempo, desadora a vida porque esta lhe parece schopenhauerianaménte um
fio ininterrupto de dores, e lastima abandoná-la. Dela recebe não só amarguras,
mas também um gozo estético e afectivo, no amor da Mulher ("Purinha": "Aquela
que, um dia, mais leve que a bruma,/ Toda cheia de véus, como uma Espu-ma,/ O
Senhor Padre me dará para mim"); na contemplação comovida da terra natal e no
encontro, em plenitude enternecida, de seus familiares ("Viagens na Minha
Terra") ; no congraçamento com os deserdados da fortuna, nos quais o poeta
enxergava irmãos de dores e aflições ("Males de Anto": "Aos pobrezinhos
enxugava-lhes o suor./ A minha bolsa pequenina de estudante,/ Era pros
pobres."); e no encontro de outros valores espirituais. Mas o voltar-se para
fora é ainda como se estivesse flectido para dentro de si, pois o poeta
incorpora os seres e as paisagens que contempla como se fossem emanações
orgânicas do seu "eu" hipertrofiado às raias de se tornar do tamanho do
mundo.
Entretanto, ao debruçar-se absortamente em seu mundo interior, António
Nobre realiza uma espécie de amarga reflexão sentimental de sua via-crucis
dolorosa até à cova, sob o acalanto da Morte, do Fado inamovível ("A Morte,
agora, é a minha Ama / Que bem sabe acalentar!"). E ao meditar a sua obsessão, o
poeta desintegra-se paulatinamente, como se bastasse lembrar para diminuir, em
vez de aumentar, o espaço que o separa do Nada temi-do, odiado e a um só tempo
esperado. Como se nota, desencadeia-se um movimento em espiral que envolve toda
a poesia de alguém que se julgava "o poeta-nato, o lua, o santo, o cobra!", um
poeta pessoalíssimo, senhor dum individualismo narcisista que o afastou de Maior
influência constrangedora: um poeta portuguêsíssimo, pela retomada da tradição
que remonta à Idade Média e pelo culto enternecido da paisagem e da gente
Portuguesa.
Dessa forma, para António Nobre iam convergindo várias linhas
poéticas em curso no seu tempo: algumas delas vinham do Romantismo, concentradas
na atitude da pose e da vaidade em feminino, da artificialidade e da máscara
teatral, herança de Garrett, seu mestre em dandismo e em poesia de requinte e
finura: "Ora, às ocultas, eu trazia / No seio, um livro e lia, e lia, / Garrett
da minha paixão... ". Ao seu neogarrettismo se juntava a presença de notas
trazidas pelos ventos novos do Simbolismo (as vaguidades, as sinestesias, o
mistério das coisas, o gosto do oculto, do supersticioso, as atmosferas
neblinosas, etc.). Ainda se observa em António Nobre qualquer coisa da poesia do
quotidiano realista, mas, como sempre, acomodado ao seu peculiar feitio de
sensitivo incapaz duma rebeldia heróica: "Olha! Estudantes, dando o braço às
raparigas, / Caras de leite, olhos de luar, tranças d'estrigas".
Entenda-se,
porém, que tudo isso constituem forças estimuladoras da atmosfera literária em
que António Nobre se formou, e não influência despersonalizadora: o poeta só
aceitava os estímulos externos que lhe correspondiam às mais íntimas propensões
de romântico por natureza e sensibilidade. Em suma: era demasiado egocêntrico
para seguir outros caminhos que não os descortinados por sua intuição, faculdade
que nele parece coincidir com o chamado sexto sentido feminino, tão aguçada é no
registo de vibrações mínimas da sensibilidade. Por conseguinte, torna-se difícil
encaixar no Simbolismo um poeta dessa categoria, ainda para mais preso
medularmente ao solo natal, a ponto de exclamar nas "Viagens na Minha Terra": "6
paisagem etérea e doce, / Depois do Ventre que me trouxe, / A ti devo em tudo
que sou! ".
A esse portuguêsismo garrettiano, telúrico e apaixonado,
vincula-se outra característica de António Nobre: poeta estritamente emocional
(com todas as restrições e sentidos que implica tal classificação); nele a razão
ou a inteligência exerce pouca ou nenhuma influência. Pletórico de emoção, para
ele o mundo; é Portugal, "essa doida terra", "cheia de Cor, de Luz, de
Som":
uma visão estética, portanto, e emotiva, semelhante à da mulher, para não dizer
que prolonga a do menino de "olhos tão doces" que foi. António Nobre vive
obcecado com a infância, seu "paraíso perdido": "Menino e moço, tive uma Torre
de leite, / Torre sem par!"
Tudo isso, mais o seu ensimesmamento de
hipersensível alheio aos ruídos da vida literária, ajuda a explicar que não
alcançasse em vida a nomeada de Eugénio de Castro.
Entretanto, soube realizar
o que o outro não pode: graças à anarquia de base que lhe punha romanticamente a
alma em torvelinho, colaborou para libertar o sentimento poético da opressão das
preceptivas e códigos literários, aceitos consciente ou inconscientemente por
quase todos. Essa como incapacidade para aderir às normas, esse inconformismo
natural, tornou-o verdadeiramente um precursor da poesia moderna, pelo menos
nalguns aspectos de sua obra. António Nobre promoveu, em poesia, a revolução de
linguagem levada a efeito por Garrett: introduziu-lhe o tom narrativo, oral,
coloquial quase prosaico, numa arritmia às vezes acompanhada do emprego de
versos assimétricos.
Está certo que estes, Eugénio de Castro os empregava
desde o Oaristos, mas sem convicção, como se praticasse um mero exercício de
expressão poética. Em António Nobre, ganham um travo moderno, graças ao
à-vontade do poeta, que nos dá a impressão de criar seus poemas à medida que
fala, em vez de construí-los artesanalmente, no silêncio de seu gabinete de
trabalho.
O tempo constitui outra força-motriz da poesia de António Nobre, em
que também se patenteia seu cariz moderno: tempo quase sempre passado,
indicativo dum poeta volvido para as lembranças autobiográficas, no culto
mórbido da saudade. Por isso, o saudosismo é outra marca de sua poesia: pode-se
dizer que todos os poemas do Só, obra que mais de perto interessa, pois o resto
ou é póstumo ou corresponde às primícias do poeta, tem como fulcro a
saudade.
Mais importante que o tempo-saudade para aferir da modernidade de
António Nobre é o tempo-duração, que já se vislumbra em sua poesia: em mais de
um passo, o poeta fala do fluir irremediável do tempo e articula suas lembranças
em dois planos pretéritos, como é o caso por exemplo de "António" ou da
"Lusitânia no Bairro Latino", planos esses correspon-dentes à noção de que o
tempo transcorre não em linha reta mas em ondas que abarcam simultaneamente o
presente, o passado e mesmo o futuro.
Tudo isso revela um poeta moderno:
poeta "inspirado", espontâneo, abriu caminho em Portugal para o reconhecimento
da poesia como "ciência demoníaca", na esteira de Baudelaire, de cuja fascinante
revolta não ficou totalmente alheio. A poesia de António Nobre respirava pureza
e primitividade pouco frequentes, qualidades suficientes para abrir trilhos
novos na poesia contemporânea e tornar-se prenúncio claro da deificação do acto
poético, preconizado e realizado pelo grupo do Orpheu, especialmente por Mário
de Sá-Carneiro, tão emotivo e hipersensível quanto o autor do Só. Criticamente,
este último provoca menos vibração intelectual que Camilo Pessanha, mas, se nos
dermos à leitura de sua poesia sem preocupações de ordem crítica, e sim com o
intuito de conviver com a beleza que gera emoção estética, - então haverá poucos
poetas portugueses que se lhe comparem.»
(In
http://books.google.pt/books?id=xcQYSXj0xN0C&pg=PA214&lpg=PA214&dq=ant%C3%B3nio+nobre+massaud+mois%C3%A9s&source=bl&ots=mufX6d2Wys&sig=B2Qk97wXId0ww2R6MjgkizExhuo&hl=en&sa=X&ei=qXmNUJqOC9GwhAezu4HACg&ved=0CBkQ6AEwAA#v=onepage&q=ant%C3%B3nio%20nobre%20massaud%20mois%C3%A9s&f=false)