sábado, 17 de março de 2012

E se o Pedro Mexia escrevesse um PIL...

... escreveria algo assim:

«Como se desenha uma casa, de Manuel António Pina, tem um registo (...) decepcionado, aqui a metafísica é agnóstica, quase desistente. A "casa" não é apenas a habitação, mas "um sítio onde pousar a cabeça", ou mesmo a própria cabeça. Há elementos concretos de uma morada física, livros e gatos, noites insones e tristes: "Toma, este é o meu corpo, o que sobe as escadas/ em direcção à tua escuridão, deixando-me,/ ou a alguma coisa menos tangível,/ no seu lugar. // Também elas envelheceram, as escadas,/ também, como eu, desabitadas./ Anoiteceu, ao longe afastam-se os passos, provavelmente os meus,/ e, à nossa volta, os nossos corpos desvanecem-se como terras estrangeiras" (pág. 23).
A "casa" nestes poemas é um facto e um projecto, ou uma ruína, ou uma forma informe, ou uma casa feita de palavras: "a porta está fechada na palvar porta". Dentro da casa e dentro da cabeça "tudo envelheceu", tudo são "lembranças extenuadas" e não "sentido" que "conforte". O pessimismo de Pina raramente foi tão agudo, ou pelo menos tão intimista, desligado de factores externos, e até a ironia é negra.  O sujeito poético sente que as palavras não lhe pertencem, que não responde ao seu nome, que a ausência não é uma omissão mas uma coisa. E dispensa o "sublime", que troca por um Lexotan.
As homenagens aos amigos desaparecidos, como Cesariny ou Eugénio, têm uma delicadeza tocante, mas são como que suspensões num conjunto de poemas onde o humano parece condenado por uma desumanidade que é, em última instância, a desumanidade do tempo, de uma "tardia idade", de um caminho em que "ficou tudo por fazer, o feito e o não feito".
O poeta vive das palavras, ou nem isso, de "restos de coisas que li", de memórias esparsas, de um último reduto a que chama "apenas emoções". E de um inquieto sentimento de perda que é o oposto da noção organizadora de casa: "Há em todas as coisas uma mais-que-coisa/ fitando-nos como se dissesse: 'Sou eu',/ algo que já lá não está ou se perdeu/ antes da coisa, e essa perda é que é a coisa" (pág. 20).» (Expresso, "Atual", 10/3/2012, p. 31)

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