quinta-feira, 7 de março de 2013

Visita de estudo virtual


O Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, disponibiliza em linha uma ótima documentação, que pode ser consultada  aqui.

Um texto "capital" para professores e alunos

Este texto, publicado em http://blogues.publico.pt/pagina23/page/2/ (consultado em 7/3/2013), é para D-E-C-O-R-A-R!!! (... já me viram a escrever pontos de exclamação? Ñão, pois não? Mas este texto justifica-os.)

«Para que, nos jor­nais esco­lares, pos­sam abun­dar os tex­tos bem escritos e orga­ni­za­dos, com ideias logi­ca­mente expres­sas, é pre­ciso não esque­cer que há um tra­balho prévio a fazer na sala de aula. Para aju­dar a que ele se faça con­ve­nien­te­mente, no Bole­tim PÚBLICO na Escola de Abril de 2006, Isabel Mar­garida Duarte, pro­fes­sora da Fac­ul­dade de Letras da Uni­ver­si­dade do Porto, apre­sen­tava um con­junto de pro­postas muito concretas. A actu­al­i­dade das sugestões, ainda mais per­ti­nentes nesta sem­ana em que, em algu­mas esco­las, se tem estado a preparar a cel­e­bração, amanhã, do Dia Inter­na­cional da Lín­gua Materna, recomenda que aqui o publique­mos de novo.


Para os alunos pas­sarem a escr­ever mel­hor, o pro­fes­sor respon­sável pela apren­diza­gem não pode ape­nas atacar os erros ortográ­fi­cos, mais visíveis e, tam­bém, mais fáceis de cor­ri­gir, porque se situam à super­fí­cie do texto e obe­de­cem, na ver­dade, a duas dezenas de regras facil­mente mem­o­rizáveis. Mais difí­cil, por vezes, é con­seguir que os miú­dos escrevam frases gra­mat­i­cal­mente aceitáveis e, ainda mais com­pli­cado, tex­tos orga­ni­za­dos, com ideias logi­ca­mente expres­sas.
Escr­ever é uma tarefa que implica grande sobre­carga cog­ni­tiva. Antes de escr­ever, o aluno tem que saber muito clara­mente com que final­i­dade o faz, para que des­ti­natários, que tipo de texto lhe pedem que pro­duza, sobre que assunto, etc. Se todos estes parâmet­ros forem claros e estiverem con­ve­nien­te­mente definidos, a tarefa, emb­ora difí­cil sem­pre, tornar-se-á menos árdua.
O docente deve dotar o aluno que quer tornar com­pe­tente na escrita de saberes proces­suais sobre como escr­ever. Deve, em con­junto com os alunos, preparar bem a tarefa, não ape­nas a nível da dis­cussão do tema e da preparação do vocab­ulário especí­fico a uti­lizar, mas tam­bém a nível das car­ac­terís­ti­cas for­mais da tipolo­gia tex­tual em que se inclui o texto que os alunos vão exper­i­men­tar pro­duzir. Por outro lado, deve insi­s­tir na neces­si­dade de se fazer sem­pre um plano antes do iní­cio da pro­dução escrita e, para que o aluno lhe perceba as van­ta­gens, há que começar por fazer esse plano em con­junto na turma ou grupo, depois, mais tarde, em gru­pos de dois ou três alunos e, quando cada miúdo já tiver perce­bido como se faz um plano e que van­ta­gens advêm desse processo para a pro­dução escrita, há que exi­gir sem­pre o plano a acom­pan­har o texto escrito pelo aluno. A par­tir de certa altura, se este processo cor­reu como devia, o aluno sen­tirá neces­si­dade de preparar o que vai escr­ever antes de começar a pro­duzir o seu texto escrito.
Tam­bém importa que o “escrevente” se habitue a reler com atenção o que acaba de escr­ever, o que não é tarefa fácil. Muitas vezes, pre­ocu­pado só em cap­tar a infor­mação, não “vê”, lit­eral­mente, os erros cometi­dos (às vezes, porque, não tendo deles con­sciên­cia, nem sabe que são erros). Pode pedir-se ao aluno que, depois de acabar de escr­ever, faça um resumo, do tipo: “No primeiro pará­grafo defendi que… no segundo mostrei que… no ter­ceiro con­tei um episó­dio que ilus­tra que… no quarto con­cluí, dizendo que…”.
Importa tam­bém fornecer aos alunos lis­tas de ver­i­fi­cação que os obriguem a olhar de novo para o que escreveram: “Acentuei grafi­ca­mente todas as palavras esdrúx­u­las? Ver­i­fiquei se, quando sep­a­rei ‘-mos’ do verbo, este ele­mento não fazia parte do mesmo, não era a marca da primeira pes­soa do plural?”, etc., etc.
Outra tarefa que se pode pedir aos alunos é que sub­lin­hem, no texto que acabaram de escr­ever, todas as palavras repeti­das. Num segundo momento, pede-se-lhes que as passem para uma folha, ver­i­f­i­cando se a repetição é necessária ou pode ser elim­i­nada: pela sub­sti­tu­ição do grupo nom­i­nal repetido por um pronome, por exem­plo, ou do nome por um sinón­imo, para referir ape­nas dois proces­sos sim­ples de elim­i­nar a repetição.
Há tem­pos, um grupo de três alunos estag­iários da Fac­ul­dade de Letras da Uni­ver­si­dade do Porto (a realizar está­gio em Alfena) apre­sen­tou, em sem­i­nário, um tra­balho inter­es­sante. Tratava-se de, a par­tir de um texto de um aluno e em con­junto, sub­lin­har as repetições, registando-as num quadro (chamava-se a activi­dade “Caça à repetição”). Depois, havia que pro­por a sub­sti­tu­ição da expressão repetida por um pronome, classificando-o e expli­cando a razão da sub­sti­tu­ição. Pas­sado um tempo, foi pro­posta aos alunos nova tarefa de escrita. De notar que as repetições pre­sentes nos tex­tos eram já menos. Os alunos realizaram uma tarefa semel­hante à ante­ri­or­mente lev­ada a cabo, desta vez em gru­pos de dois. Mais tarde ainda, o mesmo per­curso foi pro­posto, desta vez em tra­balho indi­vid­ual. Acon­tece que, nesta ter­ceira fase, os alunos faziam já muito pou­cas repetições inde­v­i­das. Caminhou-se, assim, do tra­balho mais acom­pan­hado para o indi­vid­ual, procu­rando que os alunos se fos­sem tor­nando pro­gres­si­va­mente mais autónomos. Se o cam­inho pro­posto se ateve ape­nas a um ponto muito con­creto e definido dos prob­le­mas de escrita dos alunos, a ver­dade é que os resul­ta­dos foram enco­ra­jadores.
De facto, os tex­tos dos nos­sos alunos são repet­i­tivos, pouco coesos, usam pouca sub­or­di­nação. Um exer­cí­cio útil é, a par­tir de duas frases sim­ples que apare­cem uma a seguir à outra (O menino chutou a bola. A bola par­tiu o vidro), ten­tar que os alunos formem uma só com­plexa (O menino chutou a bola que par­tiu o vidro ou A bola que o menino chutou par­tiu o vidro; neste caso, a oração sub­or­di­nada rel­a­tiva é facto de coesão tex­tual). Estes são pas­sos pequenos. Mas escr­ever é difí­cil. Cor­ri­gir as pro­duções escritas dos alunos tam­bém. Ensi­nar a escr­ever é um tra­balho de paciên­cia que requer muita atenção e peque­nas pro­postas conc­re­tas de treino, que dotem os alunos das destrezas necessárias.»
Isabel Mar­garida Duarte

Se é bom para os jornalistas do "Público", também é bom para nós


A propósito do Dia Internacional da Língua materna, lia-se o seguinte no blogue Página 23:
 
«O Dia Inter­na­cional da Lín­gua Materna, que hoje se cel­e­bra, ofer­ece um novo pre­texto para chamar a atenção para o facto de os jor­nais esco­lares, por muito ele­mentares que sejam, se rev­e­larem instru­men­tos de uma enorme util­i­dade para todos os pro­fes­sores que pre­ten­dem que os alunos escrevam mel­hor, algo que a exper­iên­cia tem ampla­mente demon­strado.
Sem o bom uso do por­tuguês e o cumpri­mento das regras gra­mat­i­cais, não há bom jor­nal­ismo, diz o Livro de Estilo do PÚBLICO. É, por isso, necessário prestar “uma per­ma­nente atenção a cer­tos vícios e incor­recções de lin­guagem”. O rigor da escrita não existe se não se obser­varem diver­sas regras. Entre as que são enun­ci­adas no Livro de Estilo, há umas quan­tas que tam­bém podem ser tidas em conta pelos jor­nal­is­tas esco­lares. É o caso, por exem­plo, das que acon­sel­ham a:

• redi­gir de forma sim­ples, con­cisa, clara e pre­cisa;
• preferir a frase afir­ma­tiva e o estilo directo;
• recusar a impre­cisão e a ambigu­idade;
• evi­tar as repetições, pre­cio­sis­mos, redundân­cias, caco­fo­nias, perío­dos lon­gos e o abuso de inter­calares;
• evi­tar, igual­mente, as frases feitas e os lugares-comuns, os chavões e as palavras de ordem;
• selec­cionar, hier­ar­quizar e sac­ri­ficar o acessório a favor do essencial.
»



Lido em http://blogues.publico.pt/pagina23/, consultado em 7/3/2013

Categorias da narrativa: o narrador

Lido em http://criarmundos.do.sapo.pt, consultado em 7/3/2013:
 
«Uma narrativa é uma história que é narrada. A voz que narra recebe o nome de narrador, aqueles a quem a história é narrada são designados por narratário. O narrador, mencionado frequentemente como o sujeito de enunciação, é um ser ficcional que existe somente na narrativa e não deve ser confundido com o autor, mesmo quando as duas posições se aproximam. O termo narratário, pelo contrário, pode-se referir ou não a seres ficcionais.
Uma narrativa destina-se sempre a ser lida, ou ouvida, por um leitor. Portanto, é ele o destinatário da narrativa, o chamado narratário ou, para se ser mais explícito, o narratário extradiegético, porque é exterior à história que se está a narrar. Mas também existem situações onde se pode encontrar um outro tipo de narratário, um que faz parte integrante da narrativa. Sempre que o narrador fala para uma personagem, transforma-a automaticamente no narratário intradiegético.
A posição do narrador no interior da narrativa varia de acordo com a forma como a sua presença se faz sentir:
  • Narrador Participante ou Narrador presente
    • Sempre que a figura do narrador participa na história.
    • A figura do narrador coincide com a de uma personagem.
    • A narração é feita na 1ª pessoa.
    • Pode ser:
      • Autodiegético
        • A figura do narrador coincide com a da personagem principal.
        • Geralmente, a história tem um carácter auto-biográfico.
        • mnemónica: auto > o eu é automaticamente a figura principal.

      • Homodiegético
        • A figura do narrador coincide com a de uma personagem secundária.
        • mnemónica: homo > o eu fala do homem que é a figura principal.

  • Narrador Não Participante ou Narrador Ausente
    • Sempre que a figura do narrador não participa nem interfere na história.
    • A narração é feita na 3ª pessoa.
    • É sempre:
      • Heterodiegético
        • mnemónica: hetero > fala-se sempre dos outros, nunca de nós.
Para além da presença, pode-se avaliar os conhecimentos que o narador possui sobre o que está a ser narrado. Normalmente fala-se da ciência do narrador:
  • Omnisciente
    • Este tipo de narrador "tudo" (omni) "conhece" (sciente); ou seja, é como um deus que tem acesso ao interior das personagens, assim como aos eventos passados e futuros.
    • Analisa as acções, os comportamentos, os sentimentos e os pensamentos das personagens.
    • As personagens podem ser apresentas de fora para dentro ou de dentro para fora.

  • Observador
    • Este tipo de narrador apenas sabe o que vê (observa), tendo que interpretar as palavras, os silêncios, as atitudes e os gestos das personagens para as conhecer.
    • As personagens só podem ser apresentadas de fora para dentro, à medida que o narrador as vai conhecendo.
    • Não tem acesso a eventos futuros nem a todos os eventos passados.
    • Pode apresentar dois tipos de visão ou focalização:
      • focalização externa
        • a visão do narrador é de alguém exterior à narrativa
        • apresenta os aspectos exteriores das personagens e dos eventos.
        • o narrador apenas conhece o que ouve e vê superficialmente.
      • focalização interna
        • a visão do narrador é de alguém inserido na narrativa
No entanto, o narrador pode ainda ser avaliado de acordo com a posição que toma face às personagens e acontecimentos.
  • Objectivo - quando relata as situações de forma imparcial e distanciada.
  • Subjectivo - quando se aproxima das situações que está a relatar para dar a sua opinião, julgando, aconselhando, elogiando ou censurando.»

Caraterísticas do romance neo-realista

Lido em http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.pt/, consultado em 7/3/2013
 
 
«1. A acção do romance neo-realista normalmente é aberta, sem progresso dramático linear, composta em geral por uma acumulação de factos, de quadros panorâmicos, só ligados entre si pelo narrador e pela homogeneidade de situações que são muitas vezes encaradas como símbolos. Desta forma, a intriga de tipo tradicional ou não existe ou corre diluída em fragmentações do género a reportagem». E, a princípio, muitas obras neo-realistas nem sequer conseguiam ultrapassar um vulgar nível panfletário.

2. As personagens são quase sempre colectivas, grupos antagónicos constituídos, de um lado, por representantes do capital e, de outro, por conjuntos de trabalhadores agrícolas e (mais raramente) de operários esmagados pela ganância de uma minoria dirigente, localizados em zonas bem determinadas. A estreita localização destes grupos trouxe para o neo-realismo português uma característica que o não abona: o regionalismo alentejano (só excepcionalmente superado).
Convém, no entanto, ter presente que temas citadinos e outros ligados à burguesia rural, foram tratados também em algumas obras neo-realistas, como O Dia Cinzento de Mário Dionísio, Anúncio de Alves Redol, Casa da Duna e Pequenos Burgueses de Carlos de Oliveira, Fuga de Faure da Rosa.

3. Estas personagens não figuram na acção como caracteres psicologicamente estudados mas apenas como tipos de uma classe. Se há um protagonista que merece destaque, é por ser o mais atingido entre a multidão ou por reflectir as reacções do todo. Por isso, o romance neo-realista abandona a personagem vista nos salões através da psicologia tradicional, para descer à personagem vulgar do campo ou da fábrica, conhecida por processos behavioristas, anotadores de um comportamento externo que se reduz a gestos de protesto social e também a atitudes de revolta contra o fatalismo do meio geográfico. Diante dos factores materiais e das forças sociais que as bloqueiam, as personagens neo-realistas não esboçam qualquer atitude de espiritualidade.

4. O autor observa as situações com neutralidade pelo menos aparente, coloca os protagonistas no ambiente próprio, deixa-os agir e viver uma vida muito real; faz depois «jornalismo», reportagem. Selecciona, no entanto, as situações a analisar e, quando calha, põe-se a interpretar os factos em função do fim que tem em vista. Com efeito, os neo-realistas são radicalmente objectivos, recriando a realidade social. Mas o subjectivismo não lhes é de todo estranho, pois não se limitam a recriar a realidade: orientam-na para transformações profundas com que sonham e em que estão empenhados.

5. Minimizam os neo-realistas o cuidado da forma (que julgam encobrir ou pelo menos esfumar a verdade do romance) e, uma vez ou outra, no afã de retratar a realidade do modo mais simples possível, chegam a descurar as regras gramaticais. Foi neste sentido que a polémica com os presencistas orientou inicialmente a estética da escola. Contra este desprezo da forma insurgiu-se, como dissemos já, Mário Dionísio.
O autor neo-realista gosta de pôr na boca das personagens a linguagem popular regional, como se a tivesse gravado do natural em fita magnética e a repetisse. Leva o diálogo muitas vezes a assumir funções narrativas. Emprega frases curtas, bem adaptadas ao pensamento conciso que o domina. Com tendência para a substantivação do real, usa moderadamente o adjectivo.»

segunda-feira, 4 de março de 2013

Cenário de correção do teste de avaliação


Cenário de resposta

1.       Iniciando-se com uma notação temporal, “Faz frio”, o poema prossegue com uma descrição, em forma de reportagem, de episódios da vida da cidade, que o sujeito lírico relata no presente do indicativo: “(…) os calceteiros (…) calçam (…) a rua.”, “gritam as peixeiras”, “luzem uns barracões” ou “tomam por outra parte os viandantes”. Atento à realidade circundante, o sujeito poético recorre a formas verbais - conjugadas no mesmo tempo e modo verbal - que denotam a deambulação: “Eu tudo encontro alegremente exacto” e “(…) um pára enquanto eu passo”. A crónica urbana prossegue com a “brusca” aparição de uma figura feminina individualizada. O eu-repórter informa-nos que se trata de uma atriz que trabalha à noite e que “Caminha agora para o seu ensaio”.

 

2.       Trata-se de uma manhã (cf. estrofe 3, verso 3) de Dezembro, fria (cf. estrofe 1, verso 1 e estrofe 2, verso 3 entre outros) (cf. estrofe 15, verso 4) mas luminosa (cf. estrofe 1, verso 2, estrofe 2, verso 2, entre outros).

 
3.1 As peixeiras e os calceteiros representam o povo. As primeiras são caraterizadas graças a sensações auditivas (“gritam”) e de movimento (“Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita”). Os segundos começam por ser descritos com recurso a sensações visuais, onde os adjetivos se sucedem (“terrosos e grosseiros”, “duros, baços”) e de movimento (“Com lentidão”, “morosos”). Um pouco acima na escala social encontra-se o mestre, que, “com um ar ralaço/ E manso”, vigia os trabalhadores. O próprio eu poético, “flâneur” ocioso que frequenta os teatros onde a “actrizita” se apresenta, personifica a burguesia urbana.

 
3.2. Os calceteiros são equiparados a animais de carga: “Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas!”. Em contraponto, a figura feminina é um animal gracioso (“um perfil direito que se aguça; /E ar matinal de quem saiu da toca, / Um afigura fina”) face aos calceteiros, “(…) animais comuns (…) /Eles, bovinos, másculos, ossudos,/Encaram-na sanguínea, brutamente”). Tanto num caso como noutro, trata-se de uma perspetiva disfórica. Porém, o eu poético apieda-se dos trabalhadores braçais "Que vida tão custosa! Que diabo!” e demoniza a figura da atriz  “O demonico arrisca-se, atravessa/Covas, entulhos, lamaçais (…)/ Com seus pezinhos rápidos, de cabra!”.

 

3.3.  Os trabalhadores braçais são oriundos do campo (“Os filhos das lezírias, dos montados; / Os da planície,altos, aprumados; /Os das montanhas, baixos trepadores”), enquanto o eu poético, a “atrizita” e os viandantes representam a cidade, cujo processo de urbanização está em curso. Como frequentemente sucede em Cesário Verde, irrompem, na cidade, breves apontamentos camprestes, como sucede com os “Quintalórios velhos com parreiras”, associados à “gente pobrezita”. O próprio observador, inspirado pelo bucolismo, “a friagem (…) / Os ares, o caminho”, afirma que lhe sabe a “campo, a lenha, a agricultura”.

 

4.       Neste excerto são notórios os contrastes sociais, patentes na humildade dos trabalhadores braçais face aos ociosos ou à “actrizita”, envolta no seu casaco à russa. A profissão desta última permite ao eu poético inserir nesta descrição diurna e solar (“Vibra uma imensa claridade crua.”) um apontamento noturno (“A actriz que tanto cumprimento / E a quem, à noite, na plateia, atraio / Os olhos lisos como polimento!”). Registe-se, por último, a oposição entre a cidade e o campo, que podemos inferir na “longa rua” que está a ser calcetada e nos “barracões de gente pobrezita”, que ainda mantêm uns “quintalórios velhos com parreiras”.

 

5.       O poema abunda em sensações visuais, olfativas, táteis, auditivas e de movimento. A visão é convocada pelas notações atmosféricas, como “Uma imensa claridade crua”, “o descoberto Sol”, “as poças de água” que refletem a “molhada casaria”, e cujos “charcos brilham”;  bem como pelas descrições dos calceteiros, “terrosos” (…), dos corpos das peixeiras, da “actrizita” e dos quintalórios. Há sensações táteis nas “calosas mãos gretadas”, olfativas no cheiro “a fogo, a sílex, a ferragem” e de paladar no sabor “a campo, a lenha, a agricultura”. As inúmeras sensações de movimento das classes trabalhadoras (as peixeiras que “dão aos rins”, os calceteiros e os cavadores no seu labor surgem em contraponto com a lentidão do mestre e a súbita aparição da atriz: “bruscamente”). Se as peixeiras, numa notação auditiva, “gritam”, o ferro e a pedra “retinem alto pelo espaço fora / Com choques rijos, ásperos, cantantes”. Esta abundância sensorial é referida pelo eu poético, quando afirma “Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. / E tangem-me, excitados, sacudidos, / O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!”.

 

6.       O texto pode ser dividido em três partes. Na primeira, que se conclui na sexta estrofe (inclusive), o eu poético descreve o tempo atmosférico, o labor dos calceteiros e o cenário (quintais, alvenaria) que os circunda. Na segunda, circunscrita entre a sétima e a décima primeira estrofes, surge claramente, graças à irrupção do pronome pessoal eu e de formas verbais conjugadas na primeira pessoa (Lavo, refresco, limpo, tangem-me, pede-me…), o sujeito poético implica-se no texto e no cenário e inscreve o seu corpo, que deambula, entre os dos restantes figurantes (“(…) um pára enquanto eu passo”). A partir da décima segunda estrofe, surge, introduzida pelo advérbio bruscamente, uma nova figura, que contrasta ainda mais com as anteriores, a atriz, que, “desempenhando o seu papel na peça” pisa o chão que os calceteiros ainda não pavimentaram. Esse contraste, de género (masculino/feminino), de proveniência (rural/urbano), de tipologia de trabalho (braçal/não braçal) e de classe (povo/burguesia) surge marcado pela conjunção porém.