«Para que, nos jornais escolares, possam abundar os textos bem escritos e organizados, com ideias logicamente expressas, é preciso não esquecer que há um trabalho prévio a fazer na sala de aula. Para ajudar a que ele se faça convenientemente, no Boletim PÚBLICO na Escola de Abril de 2006, Isabel Margarida Duarte, professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, apresentava um conjunto de propostas muito concretas. A actualidade das sugestões, ainda mais pertinentes nesta semana em que, em algumas escolas, se tem estado a preparar a celebração, amanhã, do Dia Internacional da Língua Materna, recomenda que aqui o publiquemos de novo.
Para os alunos passarem a escrever melhor, o professor responsável pela aprendizagem não pode apenas atacar os erros ortográficos, mais visíveis e, também, mais fáceis de corrigir, porque se situam à superfície do texto e obedecem, na verdade, a duas dezenas de regras facilmente memorizáveis. Mais difícil, por vezes, é conseguir que os miúdos escrevam frases gramaticalmente aceitáveis e, ainda mais complicado, textos organizados, com ideias logicamente expressas.
Escrever é uma tarefa que implica grande sobrecarga cognitiva. Antes de escrever, o aluno tem que saber muito claramente com que finalidade o faz, para que destinatários, que tipo de texto lhe pedem que produza, sobre que assunto, etc. Se todos estes parâmetros forem claros e estiverem convenientemente definidos, a tarefa, embora difícil sempre, tornar-se-á menos árdua.
O docente deve dotar o aluno que quer tornar competente na escrita de saberes processuais sobre como escrever. Deve, em conjunto com os alunos, preparar bem a tarefa, não apenas a nível da discussão do tema e da preparação do vocabulário específico a utilizar, mas também a nível das características formais da tipologia textual em que se inclui o texto que os alunos vão experimentar produzir. Por outro lado, deve insistir na necessidade de se fazer sempre um plano antes do início da produção escrita e, para que o aluno lhe perceba as vantagens, há que começar por fazer esse plano em conjunto na turma ou grupo, depois, mais tarde, em grupos de dois ou três alunos e, quando cada miúdo já tiver percebido como se faz um plano e que vantagens advêm desse processo para a produção escrita, há que exigir sempre o plano a acompanhar o texto escrito pelo aluno. A partir de certa altura, se este processo correu como devia, o aluno sentirá necessidade de preparar o que vai escrever antes de começar a produzir o seu texto escrito.
Também importa que o “escrevente” se habitue a reler com atenção o que acaba de escrever, o que não é tarefa fácil. Muitas vezes, preocupado só em captar a informação, não “vê”, literalmente, os erros cometidos (às vezes, porque, não tendo deles consciência, nem sabe que são erros). Pode pedir-se ao aluno que, depois de acabar de escrever, faça um resumo, do tipo: “No primeiro parágrafo defendi que… no segundo mostrei que… no terceiro contei um episódio que ilustra que… no quarto concluí, dizendo que…”.
Importa também fornecer aos alunos listas de verificação que os obriguem a olhar de novo para o que escreveram: “Acentuei graficamente todas as palavras esdrúxulas? Verifiquei se, quando separei ‘-mos’ do verbo, este elemento não fazia parte do mesmo, não era a marca da primeira pessoa do plural?”, etc., etc.
Outra tarefa que se pode pedir aos alunos é que sublinhem, no texto que acabaram de escrever, todas as palavras repetidas. Num segundo momento, pede-se-lhes que as passem para uma folha, verificando se a repetição é necessária ou pode ser eliminada: pela substituição do grupo nominal repetido por um pronome, por exemplo, ou do nome por um sinónimo, para referir apenas dois processos simples de eliminar a repetição.
Há tempos, um grupo de três alunos estagiários da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (a realizar estágio em Alfena) apresentou, em seminário, um trabalho interessante. Tratava-se de, a partir de um texto de um aluno e em conjunto, sublinhar as repetições, registando-as num quadro (chamava-se a actividade “Caça à repetição”). Depois, havia que propor a substituição da expressão repetida por um pronome, classificando-o e explicando a razão da substituição. Passado um tempo, foi proposta aos alunos nova tarefa de escrita. De notar que as repetições presentes nos textos eram já menos. Os alunos realizaram uma tarefa semelhante à anteriormente levada a cabo, desta vez em grupos de dois. Mais tarde ainda, o mesmo percurso foi proposto, desta vez em trabalho individual. Acontece que, nesta terceira fase, os alunos faziam já muito poucas repetições indevidas. Caminhou-se, assim, do trabalho mais acompanhado para o individual, procurando que os alunos se fossem tornando progressivamente mais autónomos. Se o caminho proposto se ateve apenas a um ponto muito concreto e definido dos problemas de escrita dos alunos, a verdade é que os resultados foram encorajadores.
De facto, os textos dos nossos alunos são repetitivos, pouco coesos, usam pouca subordinação. Um exercício útil é, a partir de duas frases simples que aparecem uma a seguir à outra (O menino chutou a bola. A bola partiu o vidro), tentar que os alunos formem uma só complexa (O menino chutou a bola que partiu o vidro ou A bola que o menino chutou partiu o vidro; neste caso, a oração subordinada relativa é facto de coesão textual). Estes são passos pequenos. Mas escrever é difícil. Corrigir as produções escritas dos alunos também. Ensinar a escrever é um trabalho de paciência que requer muita atenção e pequenas propostas concretas de treino, que dotem os alunos das destrezas necessárias.»
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