I
1. Os
sentimentos da figura feminina encontram correspondência nas suas atitudes. Assim, à
saudade corresponde a pergunta, duas vezes repetida “- Vistes lá o meu amor?”;
à sua obsessão pelo amado (“Posto o pensamento nele”) correspondem o canto e os
suspiros; tentando “suspender (…) sua dor”, põe as mãos no rosto e olha para o
chão. Como, de algum modo, se compraz no seu tormento (“Que não quer que a dor
se abrande”), não chora. Essa atitude é reservada para o momento em que sabe
novas do seu amor, e então verte lágrimas de alegria.
2. Esta
cantiga apresenta muitas semelhanças com uma cantiga de amigo: desde logo, o
cenário (a fonte) e o objeto de uso quotidiano (a talha); a personagem
principal, uma jovem que, embora não corresponda ao sujeito poético, assume o sofrimento
amoroso (“coita de amor”) e coloca uma
pergunta em estilo direto às personagens secundárias, amigas e confidentes da
jovem. A simplicidade e repetição presentes na composição poética reforçam o
efeito de arcaísmo.
3. O
estado emocional de Lianor é reforçado pela insistência em vocábulos
relacionados com o sofrimento (formas do verbo chorar, e os nomes lágrimas,
suspiros, dor, mágoa), os quais são, por vezes, objeto de
repetição.
Com o gerúndio
são obtidos dois efeitos: um primeiro, mais usual, de simultaneidade (“Lavando
a talha e chorando/Às amigas perguntando”). Mas, à medida que o
poema se desenvolve, o que predomina é a ideia de que a ausência do amado nunca
abandona Lianor, e de que esse sentimento é prolongado no tempo: (“Nisto estava
Lianor / o seu desejo enganando / às amigas perguntando”), de tal
forma que a inquirição assume um registo obsessivo: “Despois que de seu amor /
soube novas perguntando”.
A insistência
nas palavras relacionadas com o sofrimento amoroso, o facto de Lianor colocar
obsessivamente a mesma questão, a circunstância de o choro, de tão intenso, a
cansar - mas de, paradoxalmente, aumentar a dor quando pára - atinge o ponto
culminante na afirmação hiperbólica “Mais pesada sente a dor”. Até este ponto,
o sofrimento de Lianor é cada vez mais intenso. Porém, a interrogação inicial
de Lianor “- Vistes lá o meu amor?” obtém finalmente uma resposta afirmativa “Despois
que de seu amor / soube novas perguntando”, que leva o sujeito poético a
exclamar “De improviso a vi chorando. Olhai que extremos de dor!”. Assim, o
estado emocional de Lianor é tão frágil, que até a alegria a faz chorar.
4. Trata-se
de uma cantiga iniciada com um mote de quatro versos onde o tema é brevemente
apresentado. O desenvolvimento em três voltas de oito versos complexifica o
mote. Os versos de sete sílabas (ou seja, em redondilha maior) apresentam rima interpolada
(abba) e emparelhada (bb).
II
1.1. Evocando
uma vida aventurosa, cheia de “trabalhos e perigos”, vivida primeiro na Pátria
e, depois, nas partes da Índia, o narrador faz uma introdução genérica ao
livro, chamando, simultaneamente, a atenção dos leitores para o facto de estarmos
perante um relato de viagens, subgénero literário de grande sucesso na época.
1.2. Esta
forma de dedicatória integrada no texto serve para conferir autenticidade ao relato: se é algo que lega
aos filhos, não faria sentido mentir. Por outro lado, os perigos por que passou
não parecem, no final da vida, ter-lhe valido outra fortuna que não o facto de lhe
“(…) conservar a vida para que eu pudesse fazer esta (…) escritura (…)”, razão
pela qual é a “herança” que lhes deixa.
1.3. O autor qualifica pejorativamente o seu texto
como “rude e tosca escritura” para mostrar modéstia e captar a benevolência dos
leitores.
2. A
palavra peregrinação remete, em primeiro lugar, para uma romagem a
lugares santos e de devoção. Em Fernão Mendes Pinto, porém, e dada a ausência
de intuitos devotos da maior parte das suas aventuras, o vocábulo alude aos
muitos perigos por que o (anti-)herói passou. Ainda assim, convém realçar que,
numa fase mais tardia, Fernão Mendes Pinto conhece e é influenciado por S. Francisco
Xavier, o que o leva, a dado ponto, a ser mandatado, pela Companhia de Jesus, para
uma missão evangelizadora no Japão.
3. Uma
das caraterísticas mais interessantes – e mais raras, atendendo à época em que
viveu – em Fernão Mendes Pinto, é a sua atenção ao Outro. É frequente vê-lo
elogiar a organização de outros povos. Curioso e atento aos usos e costumes de
outros povos, não se coloca, como muito outros europeus, como um civilizado
face a povos bárbaros.
Este episódio
relata, com humor, o oposto: as damas do reino do Bungo zombam dos visitantes,
que comem com as mãos, o que é tido por “muito grande sujidade”.