sábado, 9 de junho de 2012

Projeto de estudo de campo em antropologia

Amostra observada: a turma G do 10º ano


Tema: a influência do visionamento continuado de séries juvenis, como "Morangos com açúcar", no comportamento de um grupo de adolescentes que frequentam o ensino secundário.


Comportamento observado: tanto os elementos do sexo feminino, como os do sexo masculino, parecem considerar natural ver-se ao espelho, pintar-se, pentear-se (em certos sujeitos, este comportamento repete-se com uma frequência inusitada, variando entre uma vez de dez em dez minutos e uma vez de dois em dois minutos) no decurso das aulas.

Observa-se um grande interesse pelo material escolar, o qual, por vezes, é espalhado na mesa com intenções que, do ponto de vista antropológico, poderiam ser consideradas de ostentação. Estranhamente, os cadernos e manuais escolares parecem ocupar o lugar mais baixo nesta hierarquia. A exibição de material escolar não encontra correspondência na exibição de conhecimentos, saberes e competências relativamente às matérias estudadas.

A linguagem e atitudes assemelha-se à conceção de comportamento juvenil dos guionistas de séries para jovens, mas não se afiguram compatíveis com uma sala de aula autêntica.  Naturalmente, os níveis de atenção e concentração são significativamente baixos, havendo relatos de alunos que afirmavam candidamente apenas ter estudado uma peça de Gil Vicente ou, até, que não faziam a mínima ideia dos autores  estudados nas aulas imediatamente anteriores. Numa ocorrência única, mas  digna de nota, a História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes, foi designada como "aquele livro, o... cenas. A setora sabe."


Os elementos do sexo masculino falam obssessivamente de futebol e o seu material escolar apresenta desenhos estilizados, que, do ponto de vista psicanalítico, parecem apontar no sentido do pensamento mágico.


Material inventariado: espelhos de bolso em diversos formatos (circular, retangular, em forma de coração), um sem número de cremes de mãos, bâtons coloridos e de cieiro, pentes, tubo de Hirudoid, diverso equipamento eletrónico - com especial destaque para telemóveis -, estojos, cadernos (e até mãos) decorados com símbolos cabalísticos, folhas soltas com a palavra "ressaca" escrita em grande destaque, um jogo tipo "scrabble" apenas começado, bilhetes, papéis diversos que nem sempre são colocados no caixote do lixo (tendo a alegação "Os funcionários têm de fazer alguma coisa." sido reportada duas vezes).

Nível sociolinguístico: a linguagem a que o grupo em observação recorre é assaz colorida e pitoresca (observando-se aqui e além dificuldades nas formas de tratamento, que os sujeitos em estudo parecem considerar "manias" dos professores). Há relatos de utilização de palavras impróprias de uma sala de aula (embora por vezes ocorram em contextos televisivos, o que explica o tema deste projeto). Por razões de espaço e de pudor, este item terá de ser objeto de um relatório à parte, com a menção "confidencial".

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