Inventário de caraterísticas a ter em conta (ler texto completo em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/8836.pdf)
«1. Carácter picaresco; desenho de um anti-herói; sentido crítico dessa atitude.
2. Quase total diluição do sujeito da enunciação no sujeito do enunciado.
3. António Faria será Fernão Mendes Pinto? – hipótese que me ficou de uma primeira leitura adolescente da versão organizada por Aquilino Ribeiro.
4. Visão (premeditadamente?) ingénua dos acontecimentos, crítica severa (involuntária?)
5. Utilização do exótico como instrumento de crítica social. A descrição exótica é levada a um extremo tal, que se converte em proposta de utopia – utopia política, social, religiosa.
6. Concepção (algo implícita) de um Deus que se situa acima da pluralidade das religiões e dos rituais.
7. Riqueza psicológica das figuras.
8. A descrição é feita de um ponto de vista utilitário.A paisagem não chega a existir como paisagem, contemplação despreocupada. Os elementos descritivos fazem parte de uma manobra prática muito concreta, e com interesses definidos.
9. Obsessão numérica.
10. Exagero, desmesura, mentira: «Mentes? Minto».
11. Grande apuro na arte de narrar episódios breves.
12. Sentido teatral das situações.»
Estilo de Fernão Mendes Pinto
«Em qualquer dos
casos, falando de si ou de outros, narrando em directo ou por interposta pessoa,
Fernão Mendes Pinto sabe seleccionar o interessante e o essencial, que nunca perde de vista
mesmo em frases muito longas ou parentéticas, foge à tentação do enfeite aliteratado
(«para não gastar palavras no encarecimento»), preza o discurso directo e oralizante, mas
bem menos a descrição – ainda que goste muito de números e possa ser minucioso, por
exemplo, na célebre descrição de Pequim. O que parece preocupá-lo é a intensidade, a
vivacidade ou a vitalidade evocativa e narrativa, não receando por isso recorrer a vários
tipos de texto, como referiu o já citado José Manuel Garcia, nem se preocupando com os cânones literários do
seu tempo. Embora saibamos
pouco sobre a formação cultural de Fernão Mendes Pinto, e embora dele só
conheçamos um livro e algumas cartas, facilmente nos damos conta do seu saber literário e
linguístico; a Peregrinação está
bem longe de ser a «rude e tosca escritura» que o tópico da
modéstia o leva a anunciar logo nas primeiras linhas, onde também diz, modestamente, que
a destina apenas a seus filhos («só para eles é minha intenção escrevê-la»); mas 6 ou 7
linhas adiante prevê um auditório bem mais vasto: «Daqui por um lado tomem os homens motivo de não
desanimarem».
O título
«Não se pense,
porém, que o título Peregrinação é
impertinente ou irrelevante, e que poderia ser
facilmente substituído por supostos sinónimos como jornada, passeio, caminhada,
expedição, deambulação… A «peregrinação» – e a Peregrinação
de Fernão Mendes Pinto –
não fala de uma unidade temporal, como a «jornada» (à letra, um dia de viagem), mas de
um tempo desestruturado ou sincopado; não sugere a ideia, como «caminhada», de
uma linearidade espacial, um percurso contínuo, um itinerário ou uma rota mais ou
menos definida, mas, sim, a de alguma errância ou vagabundagem; não projecta, como
«passeio», ou «deambulação», um viajante dado ao ócio ou ao lazer, flâneur,
turista, mas um viajante que se expõe a perigos e sacrifícios e enfrenta medos
e obstáculos; não
supõe uma viagem organizada e com um objectivo científico, militar ou outro, como «expedição», mas uma viagem
solta, à solta.»
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