quarta-feira, 22 de maio de 2013

O essencial sobre Ruy Belo...

... foi selecionado e escrito por Luís Miguel Queirós no Ipsílon (consultado e transcrito sem contemplações em 20/5/2013)

«A morte em preparaçãoLendo o que escreveram ensaístas (alguns deles também poetas) de várias gerações, como Eduardo Lourenço, Gastão Cruz, Manuel Gusmão ou Pedro Serra, presentes neste colóquio, ou ainda Joaquim Manuel Magalhães, previsivelmente ausente, percebe-se que há amplas zonas de consenso, e desde logo no comum reconhecimento da inequívoca relevância da poesia de Ruy Belo. Todos realçam também a singularidade de uma obra poética sem antecessores, companheiros de jornada ou sucessores demasiado óbvios, algo que não é evidentemente incompatível com o que Ruy Belo ostensivamente deve a vários poetas, e antes de todos a Fernando Pessoa. "Pessoa é o poeta vivo que me interessa mais", diz um verso de "Homem de Palavra[s]".

A dimensão barroca desta poesia, o seu assombroso virtuosismo versificatório - que o torna de tradução quase impossível, o que pode ajudar a explicar que este "colóquio internacional" seja, no essencial, um colóquio luso-brasileiro -, a sua atenção ao real quotidiano, ou ainda as suas preocupações políticas, especialmente óbvias no período que vai de "Boca Bilingue" (1966) à antologia "País Possível" (1973), são, inventariando-as um pouco ao acaso, outras características que os sucessivos leitores de Ruy Belo não puderam deixar de notar. E falta ainda referir o mais óbvio ponto de acordo: esta é uma poesia cujo motor é a morte. "Tenho uma vasta obra publicada/ e tenho a morte em preparação", escreve o poeta, também em "Homem de Palavra[s]".

As divergências começam no modo como estas e outras marcas da poesia de Ruy Belo, razoavelmente indiscutíveis em si próprias, foram sendo diversamente lidas ao longo das últimas décadas. E estas variações, que parecem por vezes resumir-se a questões de detalhe, tiveram o efeito de fazer da obra de Ruy Belo uma espécie de reino flutuante na geografia da poesia portuguesa do século XX, que, por acção de diferentes correntes, tanto se encosta a alguns dos seus vizinhos geracionais dos anos 60, como desliza ao encontro dos poetas que se revelaram nos anos 70, e chega mesmo a entrever a linha de costa desse outro mundo a que se chamará pós-modernidade.

Pedro Serra, num livro que reúne vários ensaios sobre Ruy Belo - "Um Nome para Isto" (2004) -, nota que "o influxo de Ruy Belo nas décadas subsequentes não pressupõe escrever contra ele". E poderia acrescentar-se que isto é verdade não apenas no sentido de que autores com poéticas aparentemente tão divergentes como Gastão Cruz ou Joaquim Manuel Magalhães puderam senti-lo como genuinamente próximo, mas também no sentido em que a sua poesia não é, como as de Pessoa ou Herberto Helder, dessas que podem assombrar um poeta mais novo a ponto de o fazer recear pela originalidade da sua própria voz.

Oscilações canónicasNum artigo recente, Gastão Cruz insere Ruy Belo entre os poetas que, tal como ele e os seus companheiros de Poesia 61, mas também, por exemplo, Ramos Rosa ou Carlos de Oliveira, davam prioridade à "pesquisa no domínio da linguagem poética" e, nos anos 60, procuraram "levar o mais longe possível o ímpeto inovador (...) das ainda muito influentes linhas modernista e surrealista". Gastão nota ainda que, num contexto de repressão política, Ruy Belo faz questão de dar o seu testemunho, mas "sem jamais alienar a condição de artista da linguagem". Joaquim Manuel Magalhães, num texto do livro "Os Dois Crepúsculos" (1981), diz algo bastante semelhante, sublinhando que "a contínua atenção política" da sua poesia dispensa "qualquer demagogia verbal, qualquer concessão, seja de que espécie for, a qualquer panfletarismo".

Mas onde Gastão Cruz parece ver um poeta de quase exclusiva filiação modernista, já Magalhães lhe atribui uma genealogia mais complexa, situando-o numa linha de poetas que, "no Romantismo, inclui Wordsworth, no Modernismo, Eliot, no Pós-modernismo, Dylan Thomas". E que na poesia portuguesa, acrescenta, "passa por Cesário Verde, António Nobre e Alberto Caeiro".

Publicado em "Um Pouco da Morte", de 1989, este ensaio de Magalhães é provavelmente o primeiro texto em que o pós-modernismo é evocado a propósito de Ruy Belo. Apenas quatro anos mais tarde, em 1993, Américo António Lindeza Diogo já não terá dúvidas em reconhecer em Ruy Belo "a figura paradigmática" daquilo a que chama "um primeiro tempo" do pós-modernismo literário em Portugal.

Se Magalhães foi, ao longo dos anos 80, o principal reponsável, ainda que não o único, pelo facto de a atenção pública à obra de Ruy Belo não ter esmorecido, quer através dos muitos textos que lhe dedicou, quer pela edição que organizou da sua obra poética e crítica, essa tarefa irá ser assumida, a partir da década seguinte, por uma geração de ensaístas universitários que inclui, além do já referido Lindeza Diogo, Osvaldo Silvestre ou Pedro Serra.

Quando a Presença, a partir de 1996, reedita autonomamente todos os livros de poemas de Ruy Belo, acrescentando a cada um deles um novo prefácio, Silvestre é convidado a apresentar "Boca Bilingue" (1966). Logo no primeiro parágrafo, afirma: "(...) a obra de Ruy Belo aparece-nos hoje como uma das mais convincentes evidências do esgotamento dos imperativos do modernismo."

Em 2002, o mesmo Silvestre e Pedro Serra organizam a ambiciosa antologia "Século de Ouro". Ruy Belo é, a par de Álvaro de Campos, o poeta mais representado. A edição deste volume constituiu um momento forte desse movimento de revitalização canónica do autor que se vinha desenvolvendo desde a segunda metade dos anos 90. Na introdução ao livro, os dois organizadores afirmam que "o século, que terá começado por prestar culto a Pascoaes nas duas primeiras décadas, terá sido pessoano entre 1930 e meados de 60, herbertiano entre esses meados de 60 e os de 80, para por fim, com especial ênfase na década de 90, atribuir tal posição a Ruy Belo".

Uma poética híbridaO século, digamos assim, foi levado a concordar com Silvestre e Serra, mas, curiosamente, também terá acabado por dar razão a Gastão Cruz, que afirmou ao Ípsilon considerar Ruy Belo "o maior poeta português da segunda metade do século XX, aquele que faz ‘pendant' com o Pessoa da primeira metade do século".

Sem ir tão longe, Nuno Júdice também lhe atribui "uma das obras centrais da segunda metade do século XX", acrescentando que Ruy Belo, com a sua revitalização do poema longo e a "base filosófica e reflexiva" da sua poesia, foi "marcante" para os poetas da sua própria geração. Já Paula Morão, ainda antes de apreciar Ruy Belo com o seu olhar especializado de professora e ensaísta, tinha sido cativada pela "impressão de identificação pessoal" que sentira ao ler, "por volta de 1971", "Homem de Palavra[s]", o seu primeiro confronto com a poesia de Belo.

A diferença que se esconde sob este aparente consenso é que o Ruy Belo de Gastão e Júdice, ou mesmo o de Magalhães, não é exactamente o poeta pré-pós-modernista proposto por esta nova geração de críticos. E não é decerto por acaso que Pedro Serra dedica as primeiras páginas do seu já referido livro sobre Ruy Belo a inventariar e rebater as sucessivas leituras anteriores da obra beliana.

Um dos obstáculos evidentes nesta tentativa de descolar Ruy Belo de uma linhagem estritamente modernista, mesmo admitindo o que diversamente deve a um T. S. Eliot ou a um Pessoa, é a própria obra crítica de Ruy Belo, reunida em 1969 no volume "Na Senda de Poesia", que veio a ser postumamente reeditado com grande acréscimo de textos dispersos. Quer nas suas refelexões mais gerais sobre a poesia, quer nas suas abordagens de obras concretas, o Ruy Belo crítico é manifestamente um homem de convencionais convicções modernistas.

A ensaísta Rosa Maria Martelo, que participa também neste colóquio, adianta uma hipótese que contribuiria para atenuar estas contradições, e que passa por se assumir que a contradição, por assim dizer, está no próprio Ruy Belo. Martelo vê de algum modo três fases distintas nesta poesia: a primeira iniciar-se-ia e esgotar-se-ia com "Aquele Grande Rio Eufrates"; a segunda, que atravessaria os restantes livros dos anos 60 e os primeiros da década seguinte, seria aquela em que esta obra se aproxima mais das revisitações do modernismo próprias da época; a terceira, coincidente com a opção definitiva pelo poema longo, vê-a Martelo como uma fase algo híbrida, em que a herança modernista está apenas presente à escala do verso ou do segmento, mas já não ao nível da estrutura do poema. Essa característica expansiva dos últimos poemas longos de Ruy Belo, que em rigor poderiam prosseguir indefinidamente para lá do ponto em que o poeta decidiu terminá-los - e que, nota ainda Martelo, são constituídos por uma acumulação de segmentos cuja ordenação poderia ser permutada sem danos irremediáveis ao nível do sentido -, é justamente um dos pontos em que o poeta se afasta da tradição modernista do poema longo, seja ela a de Eliot, seja a da hiper-estruturada "Ode Marítima" de Álvaro de Campos.

Uma certeza inabalável A outro participante no colóquio, o ensaísta Gustavo Rubim, o que mais o impressionou na sua releitura desta poesia foi a constatação de que "Ruy Belo é o último poeta português a estrear-se com um nome forte". E esta "certeza inabalável na sua natureza de poeta", argumenta Rubim, coloca-o nos antípodas dos "poetas sem qualidades, dos poetas sem uma convicção forte de que são poetas".

Seria interessante perceber como é que esta figura do poeta forte joga, em Ruy Belo, com uma aguda consciência de que a poesia é um valor declinante no mundo em que lhe foi dado viver, dilema que não parece angustiar excessivamente outro poeta da sua geração: Herberto Helder.

Mas, ao usar, decerto não inocentemente, a expressão "poetas sem qualidades" - título, como se sabe, de uma antologia organizada em 2002 por Manuel de Freitas -, Rubim parece estar ainda a sugerir que o tipo de poeta que Belo é o opõe naturalmente a Freitas e a outros poetas recentes com os quais este mantém reconhecidas afinidades.

A hipótese parece encontrar alguma confirmação no facto de Freitas não ter incluído Ruy Belo na sua antologia "A Perspectiva da Morte", editada pela Assírio & Alvim em 2009. Sendo óbvio que "a perspectiva da morte" não é propriamente uma questão menor na poesia de Ruy Belo, e não parecendo provável que essa circunstância tenha escapado ao antologiador, é lícito presumir que esta é uma dessas ausências que Freitas justifica na introdução com o recurso a uma célebre frase de Rilke: "Je n'ai pas d'organe pour Goethe."

Quem for seguindo os blogues de alguns poetas da mesma geração, e as polémicas por vezes bastante aguerridas que se travam nas respectivas caixas de comentários, confirmará que Freitas não é caso único, e que Ruy Belo parece não ser, de facto, uma referência consensual para os poetas da nova geração, ainda que nela tenha também admiradores incondicionais, como se depreende, por exemplo, do destaque que lhe é dado na antologia "Poemas Portugueses", de Rui Lage e Jorge Reis-Sá, onde ocupa um espaço significativamente superior ao de Mário Cesariny ou de Herberto Helder.

Se levarmos a hipótese de Rubim para terrenos mais especulativos, pode ainda perguntar-se se não haverá relação entre esse investimento radical de Ruy Belo na sua condição de poeta, que parece inegável, e a sua "aventura mística" de dez anos, que refere no prefácio à segunda edição de "Aquele Grande Rio Eufrates". Como se tivesse tentado encontrar, não exactamente na poesia, mas no ser poeta, uma substituição para a intensidade dessa entrega absoluta que deixara para trás.

Leia-se este excerto de um texto que publicou, em 1972, na revista "Crítica", dirigida por Jorge Silva Melo: "O poeta, sensível e até mais sensível que os outros homens, imolou o coração à palavra, fugiu da autobiografia, tentou evitar a vida privada. Ai dele, se não desceu à rua, se não sujou as mãos nos problemas do seu tempo, mais ai dele também se, sem esperar por uma imortalidade incompatível com a sua condição mortal, não teve sempre os olhos postos no futuro, no dia de amanhã, quando houver mais justiça, mais beleza sobre esta terra sob a qual jazerá, finalmente tranquilo (...)." Num texto que poderia ser lido como uma espécie de Imitação de Cristo "ad usum poetae", o poeta que Ruy Belo nos descreve não parece andar muito longe da figura do mártir.»

A poesia de Ruy Belo I

 
 
A poesia de Ruy Belo nas palavras de Gastão Cruz:
«Enquanto «de novo a seara amadurece», lembremos a obra de Ruy Belo, um dos mais grandiosos e complexos monumentos da poesia portuguesa, um monumento barroco, em que alguns dos mais relevantes caminhos e experiências da poesia portuguesa moderna confluem numa síntese poderosa, que congrega características aparentemente tão demarcadas e raramente conciliadas, como um discurso torrencial, por vezes próximo da prosa, e uma imaginação verbal inesgotável, por um lado, e uma extrema atenção ao pormenor do verso, nomeadamente no nível fónico, por outro, como uma permanente dissecação da vida e da realidade quotidianas, em contraponto com uma antevisão, ora angustiada, ora irónica, da morte própria e uma inquietação perante a morte alheia não menos constantes.»
Gastão Cruz , A Poesia Portuguesa Hoje
2ª edição corrigida e aumentada
Lisboa, Relógio d’Água, 1999
 
 

No aniversário da morte de Ruy Belo escreveu-se...

Lisboa, 07 Ago (lusa) - Ruy Belo, um dos nomes maiores da poesia portuguesa do século XX, morreu faz dia 08 de Agosto 30 anos. Tinha 45 anos e, no seu último livro, "Despeço-me da terra da alegria", deixara escrito este verso emblemático: "O receio da morte é a fonte da arte".
O poema a que o verso pertence tem por título "A fonte da arte" e Ruy Belo refere no livro o local e o dia em que o escreveu: Madrid, 24/IV/1977.
Na capital espanhola, na sua universidade, tinha sido até então, e desde 1971, Leitor de Português. Precisamente no ano da redacção daquele poema, 1977, deixaria o cargo para regressar a Portugal.
Poeta, e um dos maiores «inter pares» no século em que viveu, no currículo duas licenciaturas - em Direito e em Filologia Românica - e um doutoramento em Direito Canónico, chegou a Portugal e procurou emprego. Não lho deram na Faculdade de Letras de Lisboa. Não conseguiu mais do que um lugar de professor, no ensino nocturno, na Escola Técnica do Cacém.
Morreu, de um edema pulmonar, na sua casa em Queluz, a 8 de Agosto de 1978. A sua obra é hoje objecto de estudo e admiração. De imitação, também. A melhor homenagem será lê-la, mesmo se, como o próprio dizia - e o poeta José Tolentino Mendonça (JTM) recordou em declarações à Lusa - "a melhor homenagem que podemos fazer a um poeta anterior que admiramos é levantarmo-nos contra ele".
"Para todo o leitor de poesia - disse JTM - há um encontro marcado com a poética de Ruy Belo, que marca assombrosamente a segunda metade do nosso século XX. A sua obra tem uma originalidade e um fulgor incontornáveis. É um ponto de luz, um grande momento de transfiguração da língua".
Ruy Belo, esclarece, "cria uma língua do quotidiano, uma língua para dizer a casa, a infância, o verão ou a morte, que volta a ter a intensidade das antigas cosmogonias, a energia quase sagradas das falas ininterruptas. Ruy Belo dá ao civil direito à liberdade de expressão uma dimensão ontológica".
Terá sido esta para o poeta de "Baldios", autor de uma dissertação sobre a poesia de Ruy Belo para a sua licenciatura em Teologia na Universidade Católica, a sua "primeira impressão de leitura".
"Claro que a circularidade dramática entre presença e silêncio, dúvida e crença no que toca à busca de sentido e à questão de Deus, me interessou também profundamente", reconhece.
JTM considera haver "três grandes eixos reconhecíveis na arquitectura" da obra de Belo: "tempo, espaço e palavra. A consciência do tempo como experiência de passagem, turbulenta, irrepetível, impossível de reter, marca a fogo, poema a poema, a obra de Ruy Belo. Mas não só. Esta poesia denuncia os usos sociais que banalizam o tempo, reduzindo-o ao estatuto de produto, deglutido num consumo rápido e publicitário. O espaço tem a ver com o corpo, a casa, o país, o mundo. O fechado e o aberto. O interior e o exterior. As moradas provisórias e a definitiva morada".
"De resto - realça ainda - a poesia de Ruy Belo constrói-se numa indagação permanente em torno à palavra. Poucos poetas reflectiram tão intensamente o próprio processo poético (descrito como transporte, transposição, transplante...). Além de que trouxe para a poesia portuguesa uma sonoridade inesquecível".
Nascido em São João da Ribeira, Rio Maior, em 1933, Ruy Belo licenciou-se em Direito e em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa e doutorou-se em Direito Canónico em Roma com uma tese «Ficção Literária e Censura Eclesiástica».
O seu primeiro livro de poemas, "Aquele grande rio Eufrates", data de 1961, o mesmo ano em que dá à estampa a colectânea de ensaios "Poesia Nova".
Seguem-se "O Problema da Habitação - alguns aspectos"(1962), "Boca Bilingue" (1966), "Homem de Palavras[s]" (1969), "Na Senda da Poesia" (entrevistas, textos ensaísticos, 1969), "País Possível"(1973, antologia), "Transporte no Tempo" (1973), "A Margem da Alegria" (1974), "Toda a Terra" (1976) e "Despeço-me da Terra da Alegria" (1977).
No posfácio ao primeiro volume da Obra poética de Ruy Belo (Editorial Presença), o poeta e ensaísta Joaquim Manuel Magalhães (JMM) assinala na sua obra duas vertentes: de um lado, "a omnipresente consciência da morte, da solidão", do outro "a minuciosa exaltação das coisas, a persistente nomeação dos objectos e dos actos quotidianos, as recordações do tempo infantil gostosamente enumeradas, a fruição do tempo, dos nevoeiros, do mar, do sol, a rede de alegrias do tecido social comunitário, o desejo de transformação dos erros humanos".
Para JMM, este "conflito é central para o entendimento da sua poesia".
Um outro poeta, Gastão Cruz, escreve em "A Poesia portuguesa hoje" (Relógio d'água) que a obra de Ruy Belo "um dos mais grandiosos e complexos monumentos da poesia portuguesa".
É - define - "um monumento barroco, em que alguns dos mais relevantes caminhos e experiências da poesia portuguesa moderna confluem numa síntese poderosa, que congrega características aparentemente tão demarcadas e raramente conciliadas, como um discurso torrencial, por vezes próximo da prosa, e uma imaginação verbal inesgotável, por um lado, e uma extrema atenção ao pormenor do verso, nomeadamente no nível fónico, por outro, como uma permanente dissecação da vida e da realidade quotidianas, em contraponto com uma antevisão, ora angustiada, ora irónica, da morte própria e uma inquietação perante a morte alheia não menos constantes".
RMM.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Sophia de Mello Breyner Andresen

na Biblioteca Nacional
no suplemento Ipsilon do Público




Alexandre O'Neill


Poeta português, Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões nasceu a 19 de Dezembro de 1924, em Lisboa, e morreu a 21 de Agosto de 1986, na mesma cidade. Para além de se ter dedicado à poesia, Alexandre O'Neill exerceu a actividade profissional de técnico publicitário. Fundador do Grupo Surrealista de Lisboa, com Mário Cesariny, António Pedro, José-Augusto França, directamente influenciado pelo surrealismo bretoniano, desvinculou-se do grupo a partir de Tempo de Fantasmas (1951), embora a passagem pelo surrealismo marque indelevelmente a sua postura estética. A sua distanciação em relação a este movimento não obstou a que um estilo sarcástico e irónico muito pessoal se impregnasse de algumas características do Surrealismo, abordando noutros passos o Concretismo, preocupando-se não em fazer "bonito", mas sim "bom e expressivo". Para Clara Rocha, a poesia de Alexandre O'Neill coincide com o programa surrealista a dois níveis: "a libertação total do homem e a libertação total da arte. O que implica: primeiro, uma poesia de 'intervenção', exortando os homens a libertarem-se dos constrangimentos de toda a ordem que os tolhem e oprimem (familiares, sociais, morais, quotidianos, psicológico, políticos, etc.); segundo, a libertação da palavra de todas as formas de censura (estética, moral, lógica, do bom senso, etc.)" (cf. ROCHA, Clara - prefácio a Poesias Completas, 1982, p. 12). Para Fernando J. B. Martinho (retomando um artigo de Quadernici Portoghesi), a diferença de O'Neill relativamente à poética surrealista situa-se na "preferência, relativamente à oposição 'falar/imaginar', pelo primeiro pólo", numa consequente atenção dispensada, nos livros posteriores a Tempo de Fantasmas, como No Reino da Dinamarca ou Abandono Vigiado, "à sociedade portuguesa de que vai traçar como que a radiografia, surpreendendo-a na sua mediocridade, nos seus ridículos, nos seus pequenos vícios provincianos" (MARTINHO, Fernando J. B., op. cit., 1996, pp. 39-40). Nessa medida, e ainda segundo o mesmo crítico, se "o surrealismo ortodoxo põe a sua crença na existência de um 'ponto do espírito em que [...] o real e o imaginário' deixariam 'de ser percebidos contraditoriamente', em Alexandre O' Neill toda a busca parece centrar-se na 'vida' e no 'real'" (id. ibi, p. 40).
Recebeu, pelas suas Poesias Completas, o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários (1983).

Bibliografia: A Ampola Miraculosa, Lisboa, 1948; Tempo de Fantasmas, Lisboa, 1951; No Reino da Dinamarca, Lisboa, 1958; Abandono Vigiado, Lisboa, 1960; Feira Cabisbaixa, Lisboa, 1965; De Ombro na Ombreira, Lisboa, 1969; As Andorinhas Não Têm Restaurante, Lisboa, 1970; Entre a Cortina e a Vidraça, Lisboa, 1972; A Saca de Orelhas, Lisboa, 1979; Uma Coisa Em Forma de Assim, Lisboa, 1980; As Horas já de Números Vestidas, 1981; Poesias Completas, 1951-1981, Lisboa, 1982; O Princípio da Utopia, Lisboa, 1986; Tomai lá do O'Neill!, Lisboa, 1986; Coração Acordeão, antologia de textos de imprensa, 2004

O século XX português

A fase de decadência que a monarquia atravessava deixava já antever mudanças políticas (a implantação da República parecia inevitável) que levaram a cogitações sobre o destino dum país longe da grandiosidade doutras eras. Tal contemplação do passado confundia-se compreensivelmente com um sentimento de saudade que, no início do séc. XX, é mais do que um recurso literário e se torna mesmo um conceito filosófico.
Teixeira de Pascoaes (1877-1952) será o principal mentor desta corrente literário-filosófica, cuja doutrina estabelece em obras como Marânces (1911) e Elegia de Amor (1924).

A revista Águia, lançada por Pascoaes e editada entre 1910 e 1930, será a primeira de uma série de publicações literárias periódicas onde se vão encontrar os nomes mais significativos e inovadores da literatura portuguesa dos primeiras décadas do novo século.

Uma das mais efémeras mas mais relevantes seria Orpheu, cujo primeiro número surgiu em 1915 e iria divulgar em Portugal o Modernismo europeu, concretamente o Futurismo de Phillippo Marinetti, autor italiano partidário duma "actualização" da literatura e da arte em geral em relação aos novos tempos de progresso tecnológico.

Os primeiros mentores da Orpheu foram Fernando Pessoa (1888-1935), Mário de Sá-Carneiro (1890-1915) e Almada Negreiros (1893-1970), o mais provocador e versátil de todos, nome também prestigiado das artes plásticas.

Sá-Carneiro publicou alguns contos, mas tornar-se-ia conhecido sobretudo como poeta. Dispersão (1914) revela logo no título a dificuldade de concentração, a pluralidade de opções com que o seu interior se confrontava, anunciando já o termo trágico que daria à sua vida.

Fernando Pessoa nunca viria a conhecer em vida uma ínfima parcela da fama de que, décadas depois da sua morte, a sua obra seria alvo. Caso único na literatura mundial, Pessoa foi além da sua própria personalidade enquanto escritor e criou uma série de heterónimos, autores por si imaginados, com estilos próprios e diferentes atitudes perante a vida.

A Fernando Pessoa, ele próprio, terá de chamar-se, em literatura, ortónimo, isto é, autor de textos assinados com o seu nome; são em grande parte poesia de carácter filosófico, centrada no mistério da vida. Mensagem foi o único livro que viu publicado (em 1934) e contém uma abordagem messiânica de aspectos da história de Portugal, envolta num grande misticismo.

O primeiro dos mais conhecidos heterónimos criados por Fernando Pessoa foi Alberto Caeiro, campesino pouco instruído, detentor duma sabedoria muito própria, duma capacidade de análise muito natural, mas nem por isso menos profunda. Álvaro de Campos, a que Pessoa atribui a profissão de engenheiro naval, é o arauto do mundo novo, mecanicista, onde o progresso é visível em cada nova máquina que irrompe na paisagem. As suas odes oscilam entre o entusiasmo pelas transformações que marcam as primeiras décadas do novo século e um certo tédio e desencanto perante a sua própria incapacidade de mudar o (seu) mundo. Curiosamente definido (biografado) por Pessoa como um monárquico exilado no Brasil, Ricardo Reis é um médico apaixonado pelos clássicos cujos poemas combinam um carácter morigerador com a defesa da liberdade de cada indivíduo.

Camilo Pessanha (1867-1926) é o primeiro verdadeiro poeta simbolista português, com uma produção marcada por um ritmo e uma musicalidade invulgares.

Ex-colaboradores da revista Águia juntaram-se para dar início a uma nova publicação literária, Seara Nova, que, entre 1921 e 1982, se tornou especialmente conhecida pelos ensaios (não só sobre literatura) que as suas páginas acolheram. Dos vultos inicialmente ligados a esta publicação merecem destaque o historiador Jaime Cortesão (1884-1960), o escritor Raul Brandão (1867-1930), expressionista que se preocupou em dar voz aos menos favorecidos, descrevendo as suas difíceis condições de vida, e que obteve alguma popularidade com Os Pescadores (1923), Manuel Teixeira Gomes (1860-1941), escritor que foi também presidente da república, e Aquilino Ribeiro (1885-1963).

Aquilino Ribeiro imprimiu um tom regionalista aos seus romances a par duma linguagem riquíssima. O Malhadinhas (1922) e Terras do Demo (1928), entre outros, trazem à literatura portuguesa a vida dura dos habitantes das regiões mais isoladas do país, em descrições que ainda hoje não seriam de todo despropositadas.

De 1927 a 1940 há a salientar a importância da revista Presença, de que emergem nomes como José Régio (1901-1969) e Miguel Torga (1907-1995).

José Régio demonstrou a sua versatilidade em áreas como o teatro, a poesia, o romance e o ensaio. A temática dos seus trabalhos de ficção insere-se frequentemente numa auto-análise a que não é alheio algum misticismo e, sobretudo, o conflito entre o Homem e Deus. Enquanto ensaísta dedicou-se à literatura portuguesa, sendo um dos primeiros a abordar a obra de Florbela Espanca (1894-1930), poetisa independente de movimentos literários e que ousou passar a versos uma sensualidade até então desconhecida na (então ainda escassa) literatura feminina. Dos seus poemas não está também ausente um sentimento de desencanto perante a falta de oportunidades que a vida lhe dava no sentido de alcançar uma existência de menos sofrimento e solidão, à qual acabou por pôr termo.

Voltando à revista Presença e à inclusão de Miguel Torga nas suas páginas, forçoso é referir que o seu espírito intrinsecamente independente (patente, por exemplo, num Diário que manteve durante décadas) o levou a atingir um estatuto relevante na literatura portuguesa que faz com que a sua obra seja analisada fora da integração em correntes literárias. Da sua vasta produção, em que sobressai o talento de contista, merecem destaque Bichos (1940) e Contos da Montanha (1941), onde a força da natureza se interliga com uma certa religiosidade.

Dotado do mesmo espírito independente, perante a vida e a literatura, Ferreira de Castro (1898-1974) começou por escrever fora de Portugal, já que emigrou com doze anos para o Brasil, onde trabalhou como seringueiro na Amazónia e, posteriormente, como jornalista. Emigrantes (1928) e A Selva (1930) são exemplos duma prosa vivida que espelha muitos aspectos da sua experiência pessoal. À medida que a sua obra vai crescendo vão-se notando também mudanças a nível da linguagem, mais rica em A Lã e a Neve (1947), e da composição das personagens, mais aprofundada em A Missão (1954).

Porque relatou muito do que viveu e, essencialmente, porque fez uma descrição bastante pormenorizada das duras condições de vida das classes trabalhadoras, há quem considere Ferreira de Castro o introdutor do Neo-realismo na literatura portuguesa. A nível ideológico, porém, faltar-lhe-á (e muitos consideram isso importante) a militância política (ou mesmo político-partidária) que, em especial no caso do Neo-realismo português, marcou este movimento. Após o golpe de estado de 1926, os partidos políticos (entre os quais o Partido Comunista Português) só podiam sobreviver na clandestinidade e a censura foi assaz severa para com a imprensa e a literatura. A revista Vértice usufruiu duma actividade regular considerável, tendo em conta os condicionalismos impostos pela Comissão de Censura, e foi, por assim dizer, o órgão difusor do Neo-realismo, tentando, tanto quanto possível, dar expressão literária aos conflitos sociais e à luta do proletariado.

Soeiro Pereira Gomes (1909-1949), autor de Esteiros (1941), obra dedicada a "homens que nunca foram meninos", Alves Redol (1911-1969), romancista, entre outros, de Gaibéus (1940) e Barranco de Cegos (1962), e Manuel da Fonseca (1911-1993), fecundo autor que chegou a ver obras suas adaptadas ao cinema e ao teatro após a Revolução de 25 de Abril de 1974, como Cerromaior (1943) e Seara de Vento (1958), foram alguns dos expoentes desta corrente literária empenhada na transmissão duma perspectiva marxista da vida e na discussão dos problemas dos extractos sociais mais humildes.

O desenvolvimento doutras formas de comunicação social ao longo do séc. XX tornou alguns escritores nomes familiares do chamado grande público, o que nem sempre, todavia, significava que a sua produção literária se tornasse substancialmente mais lida, uma vez que não se foram desenvolvendo hábitos de leitura na população.

Vitorino Nemésio (1901-1978), por exemplo, tornou-se especialmente conhecido por aparições semanais na televisão nos anos 70, em que evidenciava um estilo coloquial cativante que não escondia uma vasta cultura. Atrás de si tinha, porém, décadas de actividade como escritor e professor de literatura. Foi poeta, romancista e ensaísta e deixou vincada na sua obra a origem açoriana e um sentido apego a tradições populares. Mau Tempo no Canal (1944) reflecte bem a consciência social e literária dum escritor fisicamente ausente da sua terra natal, mas que a ela recorre como tema inesgotável.

Nos anos 60 o cinema foi veículo divulgador de parte da obra de Fernando Namora (1919-1989), médico de profissão, que passou do Neo-realismo ao Existencialismo à medida que, no desempenho dessa actividade, se afastou dos meios rurais e se radicou nos centros urbanos. Retalhos da Vida dum Médico, com um primeiro volume lançado em 1949, relatando experiências vividas no interior do país, e outro publicado em 1963, já com referências ao exercício da Medicina na capital, permitem, por si só, acompanhar a transformação do escritor e foram adaptados ao cinema, tal como Domingo à Tarde (1961), em que formula já questões de ordem metafísica.

A reflexão sobre a natureza humana foi praticamente o tema (mas com diferentes abordagens) de quase toda a produção literária de Vergílio Ferreira (1916-1996), exemplo mais claro do Existencialismo. Também graças a uma conseguida adaptação cinematográfica, Manhã Submersa, um dos seus primeiros livros (1944), tornou-se um êxito literário muito após a sua primeira edição. Escritor dos mais premiados a nível nacional e internacional, Vergílio Ferreira deixou num diário publicado desde 1981, Conta-Corrente, um contributo para o entendimento das mudanças sociais operadas no Portugal pós-25 de Abril.

Idêntica contribuição proveio de Natália Correia (1923-1993), muito mais conhecida pela sua poesia e pela truculência das suas intervenções na sociedade portuguesa, antes e depois da re-instauração da democracia. Sem se integrar numa corrente literária precisa, Natália Correia, que também abraçou a dramaturgia e o ensaio e foi responsável pela organização de antologias, toca pontualmente o Surrealismo, um surrealismo que, em Portugal, surge algo independente no tempo em relação às literaturas doutros países.

Mais claramente ligada a essa corrente, mas não presa a ela, é a produção poética de Alexandre O'Neill (1924-1986), repleta de ironia e sarcasmo. Como sucedeu com outros poetas, O'Neill viu (e nisso colaborou empenhadamente) alguns dos seus textos musicados e interpretados principalmente por Amália Rodrigues, a mais prestigiada cantora portuguesa. O fado foi um veículo para a divulgação junto de todas as classes de poemas de autores como Pedro Homem de Mello (1904-1984), oriundo da Presença e profundo estudioso do folclore português, ou David Mourão-Ferreira (1927-1996), também contista, ensaísta e professor catedrático, por cuja obra perpassa um erotismo e uma elegância formal únicos na literatura portuguesa.

David Mourão-Ferreira foi também o que pode designar-se dum "poeta de Lisboa", sendo de ter presente que a capital portuguesa foi o último bastião das tertúlias literárias. Particularmente a Lisboa se associa também uma certa boémia intelectual, vivida e admirada, por exemplo, por José Cardoso Pires (1925-1998), que preferiu deixar patentes as suas preocupações sociais e políticas numa literatura objectiva, algo influenciada pelos mestres contistas norte-americanos e fortemente crítica em relação à actuação do Estado Novo. O Delfim (1968) e Dinossauro Excelentíssimo (1972) são romances que revelam uma oposição contundente aos valores mais preservados pelo regime anterior à Revolução de 25 de Abril de 1974 e que mais contribuíam para a atmosfera fechada (dir-se-ia mesmo sufocante) então vivida em Portugal. Cardoso Pires consegue um outro grande êxito literário e de vendas com Balada da Praia dos Cães (1982), sobre um caso famoso ocorrido no seio da oposição ao salazarismo no início dos anos 60.

A década de 60, com a eclosão da Guerra Colonial, foi, aliás, determinante na tomada de consciência política de muitos escritores, que, mesmo sem uma actividade militante, usaram a palavra como arma contra a situação vigente. Sophia de Mello Breyner Andresen (nascida em 1919), após uma fase de literatura voltada para o universo infanto-juvenil e duma poesia com uma linguagem extremamente equilibrada, marcada pela admiração pela civilização grega, passa com Livro VI (1962) a mostrar de forma cada vez mais clara a sua oposição a situações de injustiça. Após a Revolução de Abril, Sophia de Mello Breyner Andresen tem sido uma das escritoras mais premiadas e homenageadas.

A chamada Revolução dos Cravos trouxe consigo a abolição da censura e uma maior divulgação das obras literárias, ainda que já não tanto ao abrigo de revistas literárias. Há, de qualquer modo, a salientar o Jornal de Letras, publicado com assinalável periodicidade desde o início dos anos 80, e a maior informação sobre novidades literárias na comunicação social.

Aumentou o número de prémios literários, para primeiras obras e para a consagração de carreiras. Agustina Bessa-Luís (nascida em 1922), profícua romancista, ímpar na capacidade de análise de personagens e situações e frequentemente influenciada por momentos e figuras da história de Portugal, é certamente dos nomes mais premiados. O seu romance A Sibila (1954) é unanimemente considerado um marco na literatura portuguesa, tendo já constado dos programas oficiais do ensino secundário.
In http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.pt (consultado em 20/5/2013)

 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O que é... surrealismo

Uma das principais correntes estéticas do século XX, o movimento surrealista foi liderado por escritores como André Breton, Paul Éluard e Pierre Reverdy. Em 1924, após o estudo da pintura de Giorgio De Chirico, André Breton publica aquele que se tornaria o acto fundador e o programa estético do movimento, o "Manifesto do Surrealismo", através do qual defendeu um processo criativo assente no automatismo psíquico. A partir daí o poeta assumiu-se como o principal ideólogo do movimento, publicando um segundo manifesto em 1929.


Artes Plásticas e Decorativas

Entre os artistas que integraram o grupo fundador do movimento destacaram-se Marcel Duchamp, Francis Picabia, Max Ernst, Hans Arp e Man Ray. Em 1929 juntaram-se Pierre Roy, Georges Malkine, os espanhóis Salvador Dali e Joan Miró e o suíço Giacometti. Em simultâneo, formaram-se grupos de artistas surrealistas em vários países, como a Bélgica (com os pintores René Magritte e Paul Delvaux), Portugal, Estados Unidos, Japão, etc. Em Portugal a assimilação desta corrente foi mais tardia, manifestando-se na primeira metade da década de 40, em plena Segunda Guerra Mundial. Teve como principais representantes os pintores António Pedro, António Dacosta e Cândido da Costa Pinto.
Apesar do carácter vanguardista e revolucionário e da aparente ruptura com a história, os surrealistas apoiaram-se em trabalhos de artistas como Bosch, Piranesi, Goya, Chagall ou Klee e em movimentos como o Maneirismo, o Romantismo, o Simbolismo, a Pintura Metafísica e o Dadaísmo. Deste último retomaram algumas experiências (como a criação através de processos automáticos ou aleatórios) que levaram a um nível mais radical. Procurando apresentar o lado dissonante da personalidade humana, desenvolveram novas formas expressivas, das quais se salientam os desenhos automáticos de Masson e as colagens e frottages de Max Ernst.
O Surrealismo procurou ultrapassar a percepção convencional e tradicional da realidade, desenvolvendo pesquisas estéticas fundamentadas nas descobertas freudianas do valor do inconsciente enquanto complemento da vida consciente e da capacidade comunicativa do sonho. Desta forma conseguem ultrapassar o nihilismo redutor do Dadaísmo, procurando então associar elementos díspares, através da dissociação dos objectos dos seus contextos convencionais de forma a obter significações inesperadas.
Recusando uma rígida unidade estilística, o surrealismo concretizou-se num espectro muito alargado de linguagens que iam desde o realismo mais minucioso de Dali, de Magritte e de Paul Delvaux, às tendências mais abstractas de Miró ou de Hans Arp, englobando expressões como a pintura, a escultura, a fotografia ou o cinema.
Desaparecendo enquanto movimento organizado com o eclodir da Segunda Guerra Mundial, o Surrealismo teve repercussões consideráveis para o desenvolvimento de muitas das correntes artísticas da segunda metade do século XX (...)
Literatura
Apollinaire aparece com o designativo Surrealismo (ou Sobrerrealismo) em 1917 no prefácio do seu drama Les Mamelles de Tirésias. André Breton aplica-o, quando quer referir «um certo automatismo psíquico que corresponde bastante bem ao estado de sonho». Breton remonta a origem filosófica e literária do movimento aos séculos XVIII e XIX e fala em Hugo, Hegel, Nerval, Baudelaire; mas Rimbaud, Apollinaire, Tzara e Freud (com o inconsciente e o automatismo psíquico), entre outras figuras do século XIX, marcam nele assinalada influência. (...)  Difunde-se pela Europa, menos profundamente na Inglaterra e mais atrasado em Portugal (...)
Além de movimento artístico-literário e estético, o Surrealismo aparece como uma tomada de consciência face à civilização e cultura do Ocidente europeu. Aproveita, amplia, transforma valores do Romantismo e volta-se para a filosofia que rejeita o racionalismo cartesiano ou o equilíbrio do Classicismo. Rejeita o convencionalismo e opõe-lhe a liberdade; Substitui o positivismo pela sobrerrealidade, pelo sonho, pelo inverosímil, pelo insólito porque sente que o homem ultrapassa as limitações da matéria na busca do abstracto, do mistério. Daí a importância da metáfora. Alguns momentos do Surrealismo aproximam-no da linha política marxista e comunista, o que provoca a separação de Breton e de mais surrealistas. A rejeição das regras de Aristóteles e do racionalismo de Descartes leva o poeta surrealista a sobrestimar o que é surpreendente, fantástico, acidental, fortuito e a exprimir-se com acentuada liberdade de palavras e com especial relevância para o símbolo, a metáfora, analogia (elementos que estão ao serviço do maravilhoso, do insólito, do mistério). Por tudo isto se afirma o valor da liberdade para os surrealistas na sua tentativa de objectivar, visualizar o subjectivo até com uma estreita ligação à pintura, aparecendo mesmo trechos ilustrados com desenhos, pois o movimento sente-se em pintores como Salvador Dalí, Joan Miró (Barcelona 1893), este considerado um sobrerrealista inigualável pela frescura, fantasia e humor dos quadros. Em Lisboa formam-se tardiamente dois grupos surrealistas. Em 1947, o primeiro, com António Pedro, José Augusto França, Mário Cesariny de Vasconcelos, Alexandre O'Neill. Este torna-se dissidente e, no ano seguinte, forma novo grupo com António Maria Lisboa. José Augusto França é ficcionista, ensaísta e crítico de arte. É, principalmente, um teórico do Surrealismo. Alexandre O'Neill pende, primeiro, para a sátira em Agora Escrevo; mas, em Tempo de Fantasmas (1951) e No Reino da Dinamarca (1958), já o pensamento toma asas para o sonho, para o fantástico. O segundo grupo é o que legitimamente representa o Surrealismo em Portugal. Antes destas figuras e além delas, outros poetas afirmam a sua inclinação para os processos da escola: Adolfo Casais Monteiro, Jorge de Sena (considerado um dos críticos do movimento).

In http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.pt/ (consultado em 13/5/2013)