Um auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett
(1838)
Um auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett, enc. Luís Miguel Cintra, cenário e figurinos de Cristina Reis, Teatro da Cornucópia, 1996 (Luís Miguel Cintra e Márcia Breia), fot. Paulo Cintra e Laura Castro Caldas. |
Escrita por João Baptista da Silva Leitão
de Almeida Garrett (1799-1854) em 1838 (entre 11 de junho e 10
de julho, como ele próprio esclareceu), a peça Um auto de Gil
Vicente marcou a sua opção por uma dramaturgia nacional de inspiração
romântica que, anos mais tarde, teria a sua mais elevada realização artística
em Frei Luís de Sousa (1843). Garrett abandonava, assim, os seus
juvenis esboços dramáticos de pendor neoclássico (Xerxes,
1818; Lucrécia, 1819; Mérope, 1819; Catão, 1821) e
aventurava-se em matéria portuguesa, apresentando um drama histórico, em três
atos, com a ação a decorrer na corte do rei D. Manuel I. Para celebrar a partida
da Infanta D. Beatriz para Sabóia, onde casaria com Carlos III, Gil Vicente
prepara a representação da peça Cortes de Júpiter e é em torno desse
labor – que suscita o processo metateatral, do teatro dentro do teatro – que se
desenrola a trama, insinuando os amores secretos entre a infanta e o poeta
Bernardim Ribeiro. A peça de Garrett estreou-se nesse mesmo ano, a 15 de agosto,
no Teatro da Rua dos Condes, em Lisboa, sob a direção de Émile Doux e com a
jovem Emília das Neves no papel principal, mas só em 1841 seria dada à
estampa.
Por uma Portaria Régia de 28 de
setembro de 1836 (que decorria da vitória da revolução de
setembro), Garrett foi incumbido por Passos Manuel, em nome da Rainha D. Maria
II, de apresentar “um plano para a fundação e organização de um Teatro Nacional
nesta capital, o qual, sendo uma escola de bom gosto, contribu[isse] para a
civilização e aperfeiçoamento moral da Nação Portuguesa”, o que necessariamente
implicaria também a escrita de “dramas nacionais".
Um auto de Gil Vicente obedecia também
a esse critério de escolher matéria nacional, com figuras históricas em momento
de grandeza espiritual e artística do país, como foi o tempo e a corte de D.
Manuel I. A peça integrava não apenas o Rei, a Infanta D. Beatriz, Gil Vicente e
Bernardim Ribeiro, mas convocava também uma “lenda” dos amores impossíveis entre
D. Beatriz e o poeta que foi também autor da novela Saudades, mais
conhecida pelas suas palavras iniciais “Menina e moça me levaram de casa de
minha mãe para muito longe”.
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Emília das Neves
(1820-1883).
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No enredo da peça, Garrett inventou que, com o
apoio de Paula Vicente (filha de Gil Vicente e que secretamente também amava o
poeta), Bernardim se disfarça de moura para num momento do espetáculo se
aproximar da Infanta e dela se despedir. Sobre a intenção que o levou a escrever
a peça, juntaria à 1.ª edição da peça (1841) a declaração: “O que eu tinha no
coração e na cabeça – a restauração do nosso teatro – seu
fundador Gil Vicente – seu primeiro protector el-rei D. Manuel – aquela grande
época, aquela grande glória – de tudo isto se fez o drama. Não foi somente o
teatro, a poesia portuguesa nasceu toda naquele tempo; criaram-na Gil Vicente e
Bernardim Ribeiro, engenhos de natureza tão parecida, mas que tão diversamente
se moldaram.” (GARRETT 1966: 1324, 1325).
Para lá desse intuito patriótico na revisitação
do passado, movia-o também um projeto de renovação teatral, como escreveu nessa
mesma edição: “O drama de Gil Vicente que tomei para título deste não é um
episódio, é o assunto mesmo do meu drama; é o ponto em que se enlaça e do qual
se desenlaça depois a acção; por consequência a minha fábula, o meu enredo ficou
até certo ponto obrigado. Mas eu não quis só fazer um drama, mas sim um drama de
outro drama e ressuscitar Gil Vicente a ver se ressuscitava o teatro” (GARRETT
1966: 1326).»
In http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espetaculos-lista/2187-um-auto-de-gil-vicente-de-almeida-garrett.html (Consultado em 20/11/2012)
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