Eu e a Ana andamos a ler As crónicas Fernão Lopes em versão integral (seleccionadas e transpostas em português moderno por António José Saraiva). Já tinha lido uma edição clássica, e devo confessar que esta leitura se está revelar bem mais agradável. Daí que, embora não o possa sublinhar (o livro não é meu), me apeteça destacar alguns excertos, "a saber":
testemunho da extraordinária crueldade de D. Pedro
- face aos assassinos de Inês de Castro: "A maneira da morte deles seria muita estranha e crua de contar, porque a Pero Coelho mandou arrancar o coração pelo peito, e a Álvaro Gonçalves, pelas espáduas. E tudo o que se passou seria cousa dolorosa de ouvir. Finalmente el-rei mandou-os queimar. E tudo foi feito diante dos paços onde ele estava, de maneira que, enquanto comia, olhava o que mandava fazer." (p. 52)
- sentido de humor arrevezado: quando Pero Coelho o insulta, "El-rei, dizendo que lhe trouxessem cebola e vinagre para o coelho, enfadou-se deles e mandou-os matar." (idem)
- o pendor de justiceiro do monarca, não olhando a interesses: quando o escudeiro Afonso Madeira consumou a sua paixão por Catarina Tosse, casada com o corregedor da corte Lourenço Gonçalves "E como quer que o rei muito amasse o escudeiro (mais do que se deve aqui dizer), posta de parte toda a benquerença, mandou-o tomar na sua câmara e cortar-lhe aqueles membros que os homens em maior apreço têm. Afonso Madeira foi pensado e curou-se, mas engrossou nas pernas e no corpo e viveu alguns anos com o rosto engelhado e sem barba. Morreu depois, de sua morte natural." (pp. 41-41)
o amor, sempre o amor
- «Outros diziam que isto era assim como dor que ao homem dava, ao mesmo tempo, prazer e desprazer, e que todos os sabedores concordavam que todo o homem namorado tem uma espécie de sandice.» (sandice=loucura)
- «Assim ferido do amor de [Leonor Teles], no qual todo o seu coração estava posto, de dia em dia aumentava mais a chaga [de D. Fernando], sem descobrir porém a ninguém esta benquerença tão grande que no seu coração começava a morar." (p. 73)
o dinheiro, sempre o dinheiro
- "Quando el-rei D. Fernando reinou e começou a guerra com el-rei D. Henrique, sem o aprazimento dos povos do reino, sem o fazer saber aos prelados e sem qualquer outro consentimento, mudou as moedas [onde é que já vi isto?!], e fez outras como lhe apeteceu", e
- "Era espanto ver a simplicidade das gentes, não somente do povo miúdo, mas dos privados de el-rei e do seu Conselho, que mandavam à Casa da Moeda trocar a prata, julgando que faziam grande proveito, porque a tinham comprado a dezoito libras de dinheiros afonsinos e recebiam por ela vinte e sete libras, que eram vinte e sete barbudas, não reparando na fraqueza da moeda, mas na multiplicação das libras." (pp. 70-71)
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