terça-feira, 18 de junho de 2013

Ficha "O Gebo e a Sombra"

Lido em Entre Fialho e Nemésio, Óscar Lopes. Imprensa Nacional Casa da Moeda. 1987: «O Gebo e a Sombra" destaca-se bem entre toda a obra de Raul Brandão pelo consumado da sua estrutura, que aliás utiliza e refunde tipos humanos  da Farsa ou de Os Pobres. Em vez de uma justaposição de fala-sós, estamos aqui perante uma linha bem una de acção, acidentada por bruscas mutações ou, como dizem as poéticas clássicas, de peripécias surpreendentes e todavia integráveis numa lógica significativa e verosímil: no primeiro acto, o Gebo e a nora, Sofia, escondem à mulher dele que o filho, há vários anos ausente, faz uma vida de ladrão e presidiário, e este último, João, aparece ao velho no desfecho; no segundo acto, João, apesar da resistência de Sofia, rouba a mala com dinheiro que o velho trouxera do mísero emprego, onde, sabe-se depois, só por piedade o mantêm; no terceiro, o Gebo entrega-se à polícia como se fosse o ladrão; no quarto acto, vemo-lo regressar do presídio, depois de cumprida a pena, desmoralizado, e partir com o filho para a vadiagem. A velha exige torturantemente, nos primeiros actos, que o Gebo a iluda, que lhe minta, lhe inspire sonhos acerca do filho, e essa tortura de um velho exausto, consumido de preocupações e troçado pelo rapazio, renova-se a cada incoerência e a cada lapso nas esperanças que inventa ao longo do primeiro acto; no entanto a velha acaba por confessar, no quarto acto, que tudo sabia desde o princípio, mas não podia prescindir do sonho: "Há mentiras que precisam de gritos e de alguém que as defenda até ao último extremo." Como tema central, além do da mentira necessária, há estoutro, formulado numa pergunta de Sofia: "Neste mundo atroz, neste mundo onde não há nada a esperar nem piedadede nem justiça, só os desgraçados é que têm de cumprir o seu dever?" As soluções polares, que o gebo adopta sucessivamente na peça, estão na sua essência pura representadas por Sofia e João. Sofia sutenta o postulado religioso ("Há talvez outra coisa maior que eu não conheço mas pressinto.") de uma sobrevivência e sanção sobrenaturais; João representa a solução anarquista do egoísmo individual sem peias morais, segundo o critério de que os oprimidos resignados e justos não passam afinal de almas mortas: "Antes viver num espanto e depois morrer!" É claro que a exigência da mentira dourada por parte da mulher de gebo está na base, afinal bem comezinha e sublimadamente egoísta, dessoutro sonho, mais abstracto, a religião de Sofia. Entre as duas soluções aparentemente definitivas, o ódio invejoso de Candidinha para com os que lhe dão esmola ("Até fico doente quando as coisas lhe correm bem!") e as veleidades do "artista" Chamiço, pobre músico de feira, vêm adensar ainda mais a tensão dramática irresolúvel de uma miséria que (ideia persistente do autor) já não pode crer nas consolações religiosas tradicionais, nem por outro lado se satisfaz com um individualismo extremo, ou anarquista.» (pp. 349-350)
 
Em seguida, Óscar Lopes faz uma breve menção a uma das temáticas mais importantes em Raul Brandão, e também em O Gebo e a Sombra: «(...) a da pergunta metafísica sobre o "para quê" do sofrimento.» (p. 350). Em seguida , afirma «A personagem-tipo deste egoísmo é a Candidinha (..) A sua tragédia de desgraça pobre e sem escrúpulos, cujo maquiavelismo se frustra perante os obstáculos insuperáveis da miséria (...)" (p. 366).

domingo, 2 de junho de 2013

A questão do paralelismo perfeito nas cantigas de amigo

«A cantiga de amigo, que, como sabemos, resulta do aproveitamento estético de uma tradição lírica galego-portuguesa, caracteriza-se por uma estrutura estrófica e rítmica que aproxima a poesia da música. Com efeito, a cantiga de amigo de molde tradicional obedece à técnica paralelística: é uma paralelística perfeita ou pura. Nestas cantigas, os vários elementos versificatórios – pausas, ritmo e rima – estão subordinados a um jogo de simetrias, em que predomina a repetição, como princípio estruturador.

Assim, a cantiga é constituída por dois coros que cantam alternadamente, mas o segundo coro repete, pelo processo do leixa-pren, a estrofe cantada pelo primeiro coro, com alteração da palavra rimante, pois alternam as rimas assoantes, em i e a (amigo/amado, saído/passado" etc.). E cada coro retoma, no início de nova copla o último verso que canta, repetindo-o integralmente, e acrescenta novo verso, a seguir repetido pelo mesmo processo. A cantiga paralelística pura é formada de três pares de coplas. Eis, esquematicamente representada, a técnica paralelística: A Br/ A'B'r/BCr/B'C'r/CDr/C'D'r; ou, transcrevendo de outro modo: aa'Wbb'R/a'a''R/b'b"R... O refrão acentua a sugestão musical da cantiga e, geralmente, é sintáctica e semanticamente independente do corpo da copla, embora, portador de valor imagístico, concretize o estado de alma da moça ou defina o tema da cantiga.

(...)

No entanto, nem todas as cantigas de amigo apresentam esta estrutura' há as cantigas de paralelismo atenuado, e as de refrão, geralmente formado de dois versos, e que pode aparecer intercalado na copla, como marca de influência culta, ou servir-lhe de remate, como é próprio do lirismo popular.

O paralelismo inspira, porém, grandes poetas, como D. Dinis, que soube valorizar esteticamente o processo adoptado nas cantigas tradicionais, deixando-nos composições que reconstituem, por meio de hábil técnica, a espontaneidade e frescura do lirismo popular. E Gil Vicente elaborou também literariamente muitas cantigas paralelísticas com que soube animar os seus autos pastoris, e de que se serviu para pôr em cena, com vivacidade, os ambientes rústicos em que se movem muitas das suas personagens.

No entanto, a cantiga de amigo não se encontra necessariamente ligada à vida do campo, pois enquadra-se frequentemente num meio burguês, reflectindo o ambiente doméstico e familiar, marcado pela presença feminina, visto que a menina, na ausência do chefe de família, vive sob a tutela da mãe, embora por vezes se rebele contra as suas imposições. Assim a cantiga não exprime só o drama sentimental da moça (o que, em linguagem trovadoresca, se chamava «cuidado»), provocado pela ausência do amigo, como também testemunha as condições familiares da época, em que a mãe possui autoridade e exerce vigilância sobre a filha.

Assistimos, portanto, à intervenção da mãe, a quem a moça pede licença para ir falar com o namorado (Mia madre, venho-vos rogar) e toma como confidente da sua paixão (Madre, passou per aqui um cavaleiro); com ela desabafa a raiva ou «sanha», provocada pela traição do namorado (Ai madre, ben vos digo), ou confessa-lhe a fidelidade amorosa, que a leva a aspirar à morte, embora reconheça que foi traída (Non chegou, madr', o meu amigo). E também ouvimos os conselhos da mãe, que tenta chamar a filha à realidade, convencendo-a da indiferença do amigo (Filha, o que queredes ben), embora se encontrem mães que preparam o encontro dos namorados e protegem os seus amores, exigindo, porém, o maior sigilo e discrição (Pois vós, filha, queredes mui gran ben).

Nem só à mãe se dirigem as confidências da Moça: também as amigas (nesta época a amiga recebia, por vezes, o tratamento familiar de «mana») partilham da sua alegria, provocada pelo regresso do amigo (Amigas, o que mi quer ben), ou pela certeza de ser amada, o que pode suscitar comentários irónicos e azedos da confidente (Amiga, vistes amigo); e com a amiga desabafa a dor pela distância a que o amigo se encontra, ao mesmo tempo que lhe mostra os presentes de noivado, então chamados «dõos» ou «dons de amor» (Quand' eu subi nas torres sobe-lo mar), ou solicita companhia para ir ao encontro do namorado que andava à caça (Vaiamos, irmana, vaiamos dormir). Mas à falta de menina confidente dialoga com a Natureza, o que constitui uma característica fundamental do lirismo galego-português interroga as ondas e pede-lhes notícias do amigo (Ondas do mar de Vigo) e, na Primavera, no pinheiral em flor, dirige o mesmo pedido ansioso às flores (Ai flores, ai flores do verde pino), as quais, humanizadas por tão grande desgosto, a consolam (Vós me perguntades polo vosso amigo).

Assim, a cantiga de amigo constitui essencialmente a expressão da vida dos namorados, em tom de confidência espontânea, liberta dos convencionalismos a que obedece a cantiga de amor.»

Maria Ema Tarracha Ferreira, Poesia e Prosa Medievais, Ulisseia

sábado, 1 de junho de 2013

Cantigas de escárnio e maldizer, pela Eva S.

Caraterísticas das cantigas de escárnio e maldizer:

  • Criticam os vícios e os defeitos dos outros

  • Os trovadores aplicam os seus dotes poéticos à crítica individual e social

  • São feitas de forma encoberta - cantigas de escárnio

  • A vítima da crítica é identificada - cantigas de maldizer

  • Têm valor documental- revelam qual a reação face aos acontecimentos e situações

  • É frequente serem musicadas


(texto com alterações)

As cantigas de amor, pela Marta



    As cantigas de amor são trazidas da Provença, através de: séquitos de  princesas; trovadores que andavam de castelo em castelo; agrupamentos internacionais, onde se reuniam peregrinos de vários paíseso; cruzadas.
    As cantigas de amor (onde os trovadores se dirigem à sua amada ou aludem a ela) consistem num elogio, onde o amor cortês se manifesta com "mesura" (o trovador respeita a distância e não revela a identidade da dama) e funciona como uma vassalagem amorosa. São frequentes as queixas pela "coita" de amor, devido aos rigores, indiferença ou amor não correspondido da dama.
  As cantigas de amor têm um caráter convencional e cortesão, demonstrando um requinte sentimental de feição cortês. Elas representam um conceito baseado no fingimento de amor.
   No contexto português - ou peninsular - as cantigas de amor modificam-se e nacionalizam-se: tornam-se mais "ibéricas": formalmente, são menos rígidas, e, no que diz respeito ao conteúdo, o amor cortês torna-se mais próximo da paixão sentimental. 
 
(texto com alterações)

As cantigas de amigo, pela Sónia

   As cantigas de amigo são de origem popular, com marcas da literatura oral, nomeadamente: as reiterações, o paralelismo, o refrão e o estribilho.
Este tipo de cantiga teve as suas origens na Península Ibérica. O eu-lírico é uma mulher que canta o seu amor pelo amigo, muitas vezes em ambiente natural e em diálogo com a sua mãe ou amigas.
   A figura feminina é desenhada como uma jovem que se inicia no universo do amor, lamentando por vezes a ausência do amado.  A jovem aparece-nos inserida num ambiente doméstico e burguês.Trata-se, pois, de uma donzela (uma rapariga solteira), pertencente aos estratos médios do povo. Frequentemente, as cantigas de amigo caraterizam-se por constituirem um desabafo da donzela. Este desabafo é feito à mãe, à irmã mais velha, à amiga, à natureza ou aos santos da sua devoção.
    A natureza apresenta uma espécie de vida própria. É uma testemunha viva das alegrias e tristezas da donzela. Por vezes a sua personificação é total. É comum ser representada pela fonte, pelo rio, pela praia ou pelo campo.
   A comprovar a antiguidade deste tipo de cantigas, temos os arcaísmos que os trovadores conservam.
 
(texto com alterações)