Escrita (...) pelo trovador que compõe cantigas de amor, e mesmo as de escárnio e maldizer, esse tipo de cantiga focaliza o outro lado da relação amorosa: o fulcro do poema é agora representado pelo sofrimento amoroso da mulher, via de regra pertencente às camadas populares (pastoras, camponesas, etc.). O trovador, amado incondicionalmente pela moça humilde e ingênua do campo ou da zona ribeirinha, projeta-se-lhe no íntimo e desvenda-lhe o desgosto de amar e ser abandonada, em razão da guerra ou de outra mulher. O drama é o da mulher, mas quem ainda compõe a cantiga é o trovador: 1) pode ser ele precisamente o homem com quem a moça vive sua história; o sofrimento dela, o trovador é que o conhece, melhor do que ninguém; 2) por ser a jovem analfabeta, como acontecia mesmo às fidalgas.
O trovador vive uma dualidade amorosa, de onde extrai as duas formas de lirismo amoroso próprias da época: em espírito, dirige-se à dama aristocrática; com os sentidos, à camponesa ou à pastora. Por isso, pode expressar autenticamente os dois tipos de experiência passional, e sempre na primeira pessoa (do singular ou plural), 1) como agente amoroso que padece a incorrespondência, 2) como se falasse pela mulher que por ele desgraçadamente se apaixona. É digno de nota que essa ambigüidade, ou essa capacidade de projetar-se na interlocutora do episódio e exprimir-lhe o sentimento; extremamente curiosa como psicologia literária ou das relações humanas, não existia antes do trovadorismo nem jamais se repetiu depois.
No geral, quem ergue a voz é a própria mulher, dirigindo-se em confissão à mãe, às amigas, aos pássaros, aos arvoredos, às fontes, aos riachos, O conteúdo da confissão é sempre formado duma paixão intransitiva ou incompreendida, mas a que ela se entrega de corpo e alma. Ao passo que a cantiga de amor é idealista, a de amigo é realista, traduzindo um sentimento espontâneo, natural e primitivo por parte da mulher, e um sentimento donjuanesco e egoísta por parte do homem.
Uma tal paixão haveria de ter sua história: as cantigas surpreendem “momentos” do namoro, desde as primeiras horas da corte até as dores do abandono, ou da ausência, pelo fato de o bem-amado estar no fossado ou no bafordo, isto é, no serviço militar ou no exercício das armas. Por isso, a palavra amigo pode significar namorado e amante.
A cantiga de amigo possui caráter mais narrativo e descritivo que a de amor, de feição analítica e discursiva. E classifica-se de acordo com o lugar geográfico e as circunstâncias em que decorrem os acontecimentos, em serranilha, pastorela, barcarola, bailada, romaria, alba ou alvorada (surpreende os amantes no despertar dum novo dia, depois de uma noite de amor).» Massaud Moisés, A literatura portuguesa (transcrito de http://www.coladaweb.com/literatura/trovadorismo em 8/11/2011)
Sem comentários:
Enviar um comentário