Encontrei, no blogue de um professor "nosso vizinho" (http://bloguedosapontamentos.blogspot.pt), os seguintes apontamentos:
«Eis alguns apontamentos que a leitura e a análise de Folhas Caídas suscitaram:
1. Este livro de poemas de Almeida Garrett nasce já numa fase adiantada da sua vida, como o título sugere, a idade outonal, quando o autor se julgava incapaz de ser poeta. Confessa o autor que os poemas se referem a «uma época de vida íntima e recolhida». Temos, portanto, simultaneamente um certa tendência para a confusão entre a Poesia e a Vida. Muitos vêem neste livro o espelho de uma paixão amorosa fulgurante que o ligou à viscondessa da Luz , Rosa de Montufar, remetendo assim um número significativo de poemas para referentes reais (o autor e aquela senhora da alta sociedade). Tal confirma-se ao nível dos textos pela profusão nas referências a luz e rosa. Por tudo isso, o livro Folhas Caídas foi lido pelo público de então como quem devassava um escândalo.
2. Nesta colectânea podemos encontrar dois grupos de poemas. Um grupo de poemas versa a temática amorosa, numa feição quase confessional, em que o sujeito poético transporta para a poesia os acontecimentos da sua história de amor, com todos os ingredientes de uma relação intensa de amor /paixão. Há mesmo quem vislumbre aí um certo exibicionismo, tão comum à personalidade marcante do poeta.
Outro grupo de poemas, sobre os quais não tem incidido de igual modo a atenção dos leitores, é constituído por poesias de circunstância mundana («Álbum», «Exilados» , «Adeus, mãe!»... ), que mais não são do que um atenuante do autor para a apresentação dos poemas da circunstância amorosa.
3. A disposição dos poemas relaciona-se com o carácter algo teatral de Garrett, que gostava de encenações, de aparato cénico. Assim se justifica que a colectânea abra com um poema/dedicatória mistificadora a um «Ignoto Deo» (a um deus desconhecido), que com a «Advertência» constitui o verdadeiro prólogo e introdução do livro.
No poema «Ignoto Deo» o poeta expressa a apetência por um idealismo de carácter platónico, onde valoriza o ideal de beleza, de verdade, o puro amor, a essência. Aí reforça o sentido do livro que apresenta a essa mulher que será a expressão viva do Ideal: «a confissão sincera /da alma que a ti voou e em ti só espera».
Segue-se, depois, a exposição da sua história de amor. O sujeito poético desenvolve essa história em três fases: sedução, idílio, e saturação, que precede a ruptura. Todavia esta história é escrita de forma anacrónica, pois o poema «Adeus» , embora seja o primeiro dessa história de amor, refere-se já ao fim da paixão amorosa, ou seja a ruptura dos amantes. Esta ruptura, associada à consciência de perda irreparável, reflecte uma situação psicológica dramática - a recusa à intimidade e ao amor, devido ao sentimento de «íntima vileza» . No fundo o sujeito poético expressa a sua incapacidade de amar, como resultado do sentimento de indignidade que se reconhece: «Este que amar-te não sabe / Porque é só terra - e não cabe /Nele uma ideia dos céus...».
Depois o poeta passa para a retrospectiva da sua história de amor. Os poemas que versam a fase da paixão são os seguintes: «Quando eu sonhava» , «Anjo Caído». O poema «Aquela Noite» trata a temática da brevidade do amor à primeira vista («coup de foudre»), que submete num instante a vida ao poder da fatalidade. Aí está bem patente a imagem da ‘mulher fatal’, aquela que provocou todo o desenvolver desta história de amor, que se prevê trágica, como se vê na presença das expressões «negro fado», «loucura», «sedução». No poema «Adeus» foi o homem, com toda a sua vileza que levou à degradação do amor e da mulher. Neste poema dá-se o contrário.
No poema «Anjo Caído», a mulher foi novamente vítima de dor e aviltamento pela ligação a um homem incapaz de verdadeiramente amar, afastando-se já da mulher fatal. Ela é o «anjo caído» que arrasta na sua queda o homem que a perdeu.
Os poemas da fase da plenitude amorosa iniciam-se com «Este Inferno de Amar» e vai até ao poema «Coquette dos prados». Estes poemas reflectem um amor em que há uma entrega total ao presente. Explora-se, aí, o jogo das antíteses inerentes à expressão do amor, imprimindo-lhe uma veemência única na poesia amorosa portuguesa, o que realça o realismo da experiência sentimental. No poema «Este Inferno de Amar» a vivência amorosa está associada à consciência de pecado, o que provoca a dualidade trágica em que se debate o eu poético apaixonado, dividido entre a aspiração a um amor «de alma», expressa nas imagens-símbolo «estrela», «céu», e a atracção da «carne», simbolizada pelo «fogo do inferno» e pelas «trevas».
O poema «Destino» constitui a auto-justificação do apaixonado, no sentido de resolver o dilema moral em que se debate: a sua submissão ao poder do amor como expressão do fatalismo próprio de todas as coisas da Natureza, e a que não pode fugir, porque é indispensável à sua razão de existir. Porém no poema «Adeus» tal é contrariado, pois aí se vincam as ideias da transitoriedade e da frustração próprias de toda a vivência amorosa.
No poema «Gozo e Dor» o poeta infringe todas convenções literárias e canta o amor físico e a posse da mulher amada. E nos poemas seguintes («Rosa sem espinhos», «Rosa pálida») há conotações deliberadas, com o fim de desvendar as suas motivações eróticas, talvez com o intuito de perpetuar pela escrita o que é efémero. Nestes poemas é de salientar as cumplicidades da intimidade amorosa expressas num tom de confidência espontânea, galanteadora, parecendo fútil, mas reforçada com a veemência apaixonada. Seguem-se alguns poemas cujos temas em destaque são o fatalismo da paixão e a ânsia de morrer, assim como a descrição alegórica da amada pela referência à flor ( poema «Rosa e Lírio»). Tratam-se dos poemas que correspondem ao idílio amoroso.
O poema «Rosa e Lírio» é, no entanto, um prenúncio da fase da separação, ainda que indirectamente: expressa-se uma oposição, que supõe uma antítese moral, embora em forma alegórica, - rosa /beleza / indiferença ; lírio / martírio /paixão .
O poema «Os cinco sentidos» constitui o centro das poesias que exprimem o amor-paixão. No poema através da expressão gradual dos sentidos se nota uma aproximação maior até ao contacto e à união total com a mulher amada. O amor daí resultante ultrapassa o prazer dos sentidos, pois vai até à morte «Em ti a minha sorte, / A minha vida em ti; /E quando venha a morte, / Será morrer por ti».
A fase seguinte é a fase da saturação ou se quisermos da desilusão. Corresponde a poemas como «Cascais», «Víbora». No primeiro evocam-se os momentos que se viveram felizes, isolados do mundo identificando-se com tudo o que os rodeava. Mas depois surge o desengano e a separação. E já nada daquela paisagem vista subjectivamente como «sítio encantado» aparece na natureza.
No poema «Estes Sítios», o passado e o presente interpenetram-se na retrospectiva da «história de amor». O amor aí evocado está associado, na perspectiva romântica, ao elogio da vida espontânea, em contacto directo com a natureza. Enquanto isso, o sujeito poético repudia a simulação da vida citadina e social. Nesse poema devem salientar-se as oposições cidade / campo, indivíduo / sociedade, autenticidade / hipocrisia, amor correspondido/ amor frustrado. Este último resultaria da intromissão da mundaneidade (o viver mundano ou social) na intimidade amorosa.
No poema «Não te amo» , o poeta a firma o seu desentendimento com a mulher amada e a sua incapacidade de amar, resultante do seu desdobramento psicológico, expresso no conflito amor / desejo. Neste poema manifesta-se a dicotomia fundamental que caracteriza a poesia de Garrett: amor ( o sentimento envolto em espiritualidade que conduz à salvação e à regeneração do homem) opõe-se ao amor-paixão, que constitui a degradação ou «perdição» do indivíduo.
No poema «Beleza» o poeta distingue entre «beleza» e «formosura», como expressão do dualismo alma / corpo. «Beleza» - remete para o amor espiritual, purificador; «formosura»- é o aspecto físico («formas de encantar»).
No poema «Anjo és» desenvolve-se a antítese anjo/mulher. Aí o poeta sugere a fascinação do eu perante a ambiguidade da mulher, expressa através da dupla interrogação.
No poema «Víbora» exprime-se a revolta contra o poder avassalador da paixão. O amor aí amaldiçoado exprime-se pela antítese vida /morte.
4. O poema «Barca Bela» caracteriza-se pela impessoalidade e ausência de dramatismo, com grande simbolismo e de feição alegórica. Ele condensa através de imagens-símbolo, em ambiente de fatalidade, toda a vivência amorosa do poeta. Este, tal como o herói romântico, o homem fatal ( «o pescador») só fugirá aos riscos terríveis do amor-paixão se recusar a pesca (sedução) da mulher-sereia, que fascina pelo seu encanto, mas que arrasta para a perdição.
5. Linhas temáticas mais dominantes:
·A expressão sincera de um coração dominado pela paixão amorosa.
·A expressão de um amor sentido e vivido e não já uma simulação ou a idealização de um amor, simplesmente intelectualizado e expresso em moldes convencionais, como nos clássicos.
·O tom confessional dos seus poemas de circunstância amorosa, alguns poemas integram-se na linha da «poesia de alcova» que caracteriza alguma poesia romântica. Alguns poemas apresentam uma certa feição dramática. Esta revela-se na constante dialéctica entre o eu poético e um tu - mulher amada. A mulher amada, interlocutora, é invocada quando ausente, ora através das inúmeras apóstrofes que a evocam, ora se sugere a sua presença nas respostas repetidas pelo sujeito poético ( poema «Adeus»).
· O amor-paixão: sentimento repleto de contradições, expressas em antíteses de vida/morte, amar/querer ( amor da alma / amor do corpo), sensualidade-erotismo / idealismo.. Esse amor resulta do encontro contraditório entre uma mulher fatal e o homem ou entre a mulher-anjo que se deixa seduzir pelo homem que apenas a deseja e é incapaz de um verdadeiro amor, que deve ser de alma e não de corpo.
·Um amor que é prazer e dor; que é salvação, quando é de alma ; e é pecado, quando apenas se vive pelos sentidos e pelo desejo.
6. Aspectos formais mais relevantes:
· Valorização das tradições poéticas portuguesas:
- preferência pela redondilha maior (sete sílabas),
- emprego do refrão e do paralelismo («Barca Bela»),
· Grande variedade métrica: adequação ao ritmo e desenvolvimento do tema ou motivo poético : uso de versos de metro raro, tais como os bissílabos e trissílabo («Rosa e lírio»), o verso de nove sílabas (eneassílabo), de onze sílabas (hendecassílabo); e uso do decassílabo heróico, mas com menor frequência.
· Uso de estrofes variadas: quadra, sextilhas, sétimas, oitavas, quintilhas décimas, alguns poemas apresentam estrofes com um número variado de versos.
· Recurso a rimas cruzadas, por sugestão popular, mas também às rimas emparelhadas e interpoladas. O poeta recorreu também às rimas interiores e encadeadas ( poema «Não te amo»).
· Há nos seus poemas o paralelismo, aliterações,.
· A linguagem é quase sempre simples e directa, aparentemente espontânea e marcada pela emotividade: o que está patente no uso da pontuação (travessão, reticências, exclamações).
· Nalguns poemas há marcas de narratividade e do género dramatização: diálogo eu - tu, narração.
· exploração com originalidade de recursos estilísticos: anástrofe, anáfora, interrogação, imagem, reticência, hipérbole, gradação, comparação, a metáfora e a antítese.
Os sinais de pontuação estão ao serviço da expressividade e do dramatismo, fazendo sublinhar as pausas naturais do discurso emotivo.
7. Aspectos românticos:
- O tratamento do sentimento amoroso: sinceridade, sensualidade e erotismo; feição contraditória (amor/ morte; dor/prazer; amor físico - amor ideal);( poemas «Este Inferno de Amar», «Não te amo»);
- Concepção da mulher : mulher-anjo / mulher-demónio («Anjo és» «Barca Bela»;
- Jogo de oposição: natureza-sociedade; homem natural /homem social («Estes sítios» e « Adeus»);
- A natureza como um estado de alma («Cascais» e «Estes sítios»;
- Valorização da tradição poética portuguesa («Barca Bela»;
- Linguagem mais simples , directa e espontânea;
-Valorização da emoção diante da razão.
- O tom confessional de alguns poemas : «Adeus», «Cascais», etc.»
1. Este livro de poemas de Almeida Garrett nasce já numa fase adiantada da sua vida, como o título sugere, a idade outonal, quando o autor se julgava incapaz de ser poeta. Confessa o autor que os poemas se referem a «uma época de vida íntima e recolhida». Temos, portanto, simultaneamente um certa tendência para a confusão entre a Poesia e a Vida. Muitos vêem neste livro o espelho de uma paixão amorosa fulgurante que o ligou à viscondessa da Luz , Rosa de Montufar, remetendo assim um número significativo de poemas para referentes reais (o autor e aquela senhora da alta sociedade). Tal confirma-se ao nível dos textos pela profusão nas referências a luz e rosa. Por tudo isso, o livro Folhas Caídas foi lido pelo público de então como quem devassava um escândalo.
2. Nesta colectânea podemos encontrar dois grupos de poemas. Um grupo de poemas versa a temática amorosa, numa feição quase confessional, em que o sujeito poético transporta para a poesia os acontecimentos da sua história de amor, com todos os ingredientes de uma relação intensa de amor /paixão. Há mesmo quem vislumbre aí um certo exibicionismo, tão comum à personalidade marcante do poeta.
Outro grupo de poemas, sobre os quais não tem incidido de igual modo a atenção dos leitores, é constituído por poesias de circunstância mundana («Álbum», «Exilados» , «Adeus, mãe!»... ), que mais não são do que um atenuante do autor para a apresentação dos poemas da circunstância amorosa.
3. A disposição dos poemas relaciona-se com o carácter algo teatral de Garrett, que gostava de encenações, de aparato cénico. Assim se justifica que a colectânea abra com um poema/dedicatória mistificadora a um «Ignoto Deo» (a um deus desconhecido), que com a «Advertência» constitui o verdadeiro prólogo e introdução do livro.
No poema «Ignoto Deo» o poeta expressa a apetência por um idealismo de carácter platónico, onde valoriza o ideal de beleza, de verdade, o puro amor, a essência. Aí reforça o sentido do livro que apresenta a essa mulher que será a expressão viva do Ideal: «a confissão sincera /da alma que a ti voou e em ti só espera».
Segue-se, depois, a exposição da sua história de amor. O sujeito poético desenvolve essa história em três fases: sedução, idílio, e saturação, que precede a ruptura. Todavia esta história é escrita de forma anacrónica, pois o poema «Adeus» , embora seja o primeiro dessa história de amor, refere-se já ao fim da paixão amorosa, ou seja a ruptura dos amantes. Esta ruptura, associada à consciência de perda irreparável, reflecte uma situação psicológica dramática - a recusa à intimidade e ao amor, devido ao sentimento de «íntima vileza» . No fundo o sujeito poético expressa a sua incapacidade de amar, como resultado do sentimento de indignidade que se reconhece: «Este que amar-te não sabe / Porque é só terra - e não cabe /Nele uma ideia dos céus...».
Depois o poeta passa para a retrospectiva da sua história de amor. Os poemas que versam a fase da paixão são os seguintes: «Quando eu sonhava» , «Anjo Caído». O poema «Aquela Noite» trata a temática da brevidade do amor à primeira vista («coup de foudre»), que submete num instante a vida ao poder da fatalidade. Aí está bem patente a imagem da ‘mulher fatal’, aquela que provocou todo o desenvolver desta história de amor, que se prevê trágica, como se vê na presença das expressões «negro fado», «loucura», «sedução». No poema «Adeus» foi o homem, com toda a sua vileza que levou à degradação do amor e da mulher. Neste poema dá-se o contrário.
No poema «Anjo Caído», a mulher foi novamente vítima de dor e aviltamento pela ligação a um homem incapaz de verdadeiramente amar, afastando-se já da mulher fatal. Ela é o «anjo caído» que arrasta na sua queda o homem que a perdeu.
Os poemas da fase da plenitude amorosa iniciam-se com «Este Inferno de Amar» e vai até ao poema «Coquette dos prados». Estes poemas reflectem um amor em que há uma entrega total ao presente. Explora-se, aí, o jogo das antíteses inerentes à expressão do amor, imprimindo-lhe uma veemência única na poesia amorosa portuguesa, o que realça o realismo da experiência sentimental. No poema «Este Inferno de Amar» a vivência amorosa está associada à consciência de pecado, o que provoca a dualidade trágica em que se debate o eu poético apaixonado, dividido entre a aspiração a um amor «de alma», expressa nas imagens-símbolo «estrela», «céu», e a atracção da «carne», simbolizada pelo «fogo do inferno» e pelas «trevas».
O poema «Destino» constitui a auto-justificação do apaixonado, no sentido de resolver o dilema moral em que se debate: a sua submissão ao poder do amor como expressão do fatalismo próprio de todas as coisas da Natureza, e a que não pode fugir, porque é indispensável à sua razão de existir. Porém no poema «Adeus» tal é contrariado, pois aí se vincam as ideias da transitoriedade e da frustração próprias de toda a vivência amorosa.
No poema «Gozo e Dor» o poeta infringe todas convenções literárias e canta o amor físico e a posse da mulher amada. E nos poemas seguintes («Rosa sem espinhos», «Rosa pálida») há conotações deliberadas, com o fim de desvendar as suas motivações eróticas, talvez com o intuito de perpetuar pela escrita o que é efémero. Nestes poemas é de salientar as cumplicidades da intimidade amorosa expressas num tom de confidência espontânea, galanteadora, parecendo fútil, mas reforçada com a veemência apaixonada. Seguem-se alguns poemas cujos temas em destaque são o fatalismo da paixão e a ânsia de morrer, assim como a descrição alegórica da amada pela referência à flor ( poema «Rosa e Lírio»). Tratam-se dos poemas que correspondem ao idílio amoroso.
O poema «Rosa e Lírio» é, no entanto, um prenúncio da fase da separação, ainda que indirectamente: expressa-se uma oposição, que supõe uma antítese moral, embora em forma alegórica, - rosa /beleza / indiferença ; lírio / martírio /paixão .
O poema «Os cinco sentidos» constitui o centro das poesias que exprimem o amor-paixão. No poema através da expressão gradual dos sentidos se nota uma aproximação maior até ao contacto e à união total com a mulher amada. O amor daí resultante ultrapassa o prazer dos sentidos, pois vai até à morte «Em ti a minha sorte, / A minha vida em ti; /E quando venha a morte, / Será morrer por ti».
A fase seguinte é a fase da saturação ou se quisermos da desilusão. Corresponde a poemas como «Cascais», «Víbora». No primeiro evocam-se os momentos que se viveram felizes, isolados do mundo identificando-se com tudo o que os rodeava. Mas depois surge o desengano e a separação. E já nada daquela paisagem vista subjectivamente como «sítio encantado» aparece na natureza.
No poema «Estes Sítios», o passado e o presente interpenetram-se na retrospectiva da «história de amor». O amor aí evocado está associado, na perspectiva romântica, ao elogio da vida espontânea, em contacto directo com a natureza. Enquanto isso, o sujeito poético repudia a simulação da vida citadina e social. Nesse poema devem salientar-se as oposições cidade / campo, indivíduo / sociedade, autenticidade / hipocrisia, amor correspondido/ amor frustrado. Este último resultaria da intromissão da mundaneidade (o viver mundano ou social) na intimidade amorosa.
No poema «Não te amo» , o poeta a firma o seu desentendimento com a mulher amada e a sua incapacidade de amar, resultante do seu desdobramento psicológico, expresso no conflito amor / desejo. Neste poema manifesta-se a dicotomia fundamental que caracteriza a poesia de Garrett: amor ( o sentimento envolto em espiritualidade que conduz à salvação e à regeneração do homem) opõe-se ao amor-paixão, que constitui a degradação ou «perdição» do indivíduo.
No poema «Beleza» o poeta distingue entre «beleza» e «formosura», como expressão do dualismo alma / corpo. «Beleza» - remete para o amor espiritual, purificador; «formosura»- é o aspecto físico («formas de encantar»).
No poema «Anjo és» desenvolve-se a antítese anjo/mulher. Aí o poeta sugere a fascinação do eu perante a ambiguidade da mulher, expressa através da dupla interrogação.
No poema «Víbora» exprime-se a revolta contra o poder avassalador da paixão. O amor aí amaldiçoado exprime-se pela antítese vida /morte.
4. O poema «Barca Bela» caracteriza-se pela impessoalidade e ausência de dramatismo, com grande simbolismo e de feição alegórica. Ele condensa através de imagens-símbolo, em ambiente de fatalidade, toda a vivência amorosa do poeta. Este, tal como o herói romântico, o homem fatal ( «o pescador») só fugirá aos riscos terríveis do amor-paixão se recusar a pesca (sedução) da mulher-sereia, que fascina pelo seu encanto, mas que arrasta para a perdição.
5. Linhas temáticas mais dominantes:
·A expressão sincera de um coração dominado pela paixão amorosa.
·A expressão de um amor sentido e vivido e não já uma simulação ou a idealização de um amor, simplesmente intelectualizado e expresso em moldes convencionais, como nos clássicos.
·O tom confessional dos seus poemas de circunstância amorosa, alguns poemas integram-se na linha da «poesia de alcova» que caracteriza alguma poesia romântica. Alguns poemas apresentam uma certa feição dramática. Esta revela-se na constante dialéctica entre o eu poético e um tu - mulher amada. A mulher amada, interlocutora, é invocada quando ausente, ora através das inúmeras apóstrofes que a evocam, ora se sugere a sua presença nas respostas repetidas pelo sujeito poético ( poema «Adeus»).
· O amor-paixão: sentimento repleto de contradições, expressas em antíteses de vida/morte, amar/querer ( amor da alma / amor do corpo), sensualidade-erotismo / idealismo.. Esse amor resulta do encontro contraditório entre uma mulher fatal e o homem ou entre a mulher-anjo que se deixa seduzir pelo homem que apenas a deseja e é incapaz de um verdadeiro amor, que deve ser de alma e não de corpo.
·Um amor que é prazer e dor; que é salvação, quando é de alma ; e é pecado, quando apenas se vive pelos sentidos e pelo desejo.
6. Aspectos formais mais relevantes:
· Valorização das tradições poéticas portuguesas:
- preferência pela redondilha maior (sete sílabas),
- emprego do refrão e do paralelismo («Barca Bela»),
· Grande variedade métrica: adequação ao ritmo e desenvolvimento do tema ou motivo poético : uso de versos de metro raro, tais como os bissílabos e trissílabo («Rosa e lírio»), o verso de nove sílabas (eneassílabo), de onze sílabas (hendecassílabo); e uso do decassílabo heróico, mas com menor frequência.
· Uso de estrofes variadas: quadra, sextilhas, sétimas, oitavas, quintilhas décimas, alguns poemas apresentam estrofes com um número variado de versos.
· Recurso a rimas cruzadas, por sugestão popular, mas também às rimas emparelhadas e interpoladas. O poeta recorreu também às rimas interiores e encadeadas ( poema «Não te amo»).
· Há nos seus poemas o paralelismo, aliterações,.
· A linguagem é quase sempre simples e directa, aparentemente espontânea e marcada pela emotividade: o que está patente no uso da pontuação (travessão, reticências, exclamações).
· Nalguns poemas há marcas de narratividade e do género dramatização: diálogo eu - tu, narração.
· exploração com originalidade de recursos estilísticos: anástrofe, anáfora, interrogação, imagem, reticência, hipérbole, gradação, comparação, a metáfora e a antítese.
Os sinais de pontuação estão ao serviço da expressividade e do dramatismo, fazendo sublinhar as pausas naturais do discurso emotivo.
7. Aspectos românticos:
- O tratamento do sentimento amoroso: sinceridade, sensualidade e erotismo; feição contraditória (amor/ morte; dor/prazer; amor físico - amor ideal);( poemas «Este Inferno de Amar», «Não te amo»);
- Concepção da mulher : mulher-anjo / mulher-demónio («Anjo és» «Barca Bela»;
- Jogo de oposição: natureza-sociedade; homem natural /homem social («Estes sítios» e « Adeus»);
- A natureza como um estado de alma («Cascais» e «Estes sítios»;
- Valorização da tradição poética portuguesa («Barca Bela»;
- Linguagem mais simples , directa e espontânea;
-Valorização da emoção diante da razão.
- O tom confessional de alguns poemas : «Adeus», «Cascais», etc.»
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